Conjunturando

Violência política sexista na Semana da Mulher

O Brasil ocupa o 154º posto no ranking mundial de participação feminina no Parlamento. Fica atrás de praticamente todos os países da América Latina

As mulheres brasileiras estão sub-representadas na política
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Escrevo para vocês diretamente do Congresso Nacional, o centro do poder político do nosso País, na semana de comemoração do Dia Internacional da Mulher. E a reflexão tem início exatamente neste ponto: o que a mulher comemora neste espaço político, nesta semana?

Estar no Congresso Nacional na semana do Dia da Mulher causa a impressão de ter muito a comemorar enquanto mulher, você chega aqui e tem exposição dedicada ao tema. O corredor que liga Câmara dos Deputados e Senado traz em suas paredes números importantíssimos sobre as conquistas das mulheres desde a Constituinte. Você checa a agenda do dia e tem sempre uma pauta feminina no debate político. Inspirador.

Você anda pelos corredores e encontra mulheres, elas estão nas cozinhas, nos banheiros, nos balcões de atendimento dos gabinetes, elas estão por todos os lugares, parece que a proporcionalidade populacional está ali devidamente representada.

Daí você começa a ingressar no sistema parlamentar propriamente dito, nos espaços de representação, de decisão, de poder político e cadê elas? Você quase não as vê. Talvez nesta semana apareçam mais, porque têm licença poética não só para ocupar espaços como também para falar nesses espaços.

A pesquisa começa e na medida em que ela toma forma vários são os homens designados para falarem comigo sobre elas, as parlamentares, e sobre a atuação delas. No início isso me frustra, porque ainda milito pelo protagonismo feminino nesses espaços, mas compreendo que talvez elas precisem utilizar esta semana para aparecerem e falarem o máximo que puderem. Porque senão a semana da mulher passa e com ela passa a chance de pautar a mulher no centro do debate e da agenda política.

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A dificuldade de permanecer no debate político e de inserir pautas de direitos e interesses das mulheres na agenda política do Congresso Nacional pode ter como causa a sub-representação das mulheres nos parlamentos, nós que somos mais da metade da população e do eleitorado brasileiro, segundo o IBGE.

A ONU Mulheres e a União Interparlamentar publicaram em fevereiro de 2017 vários rankings sobre a participação da mulher na política mundial.

No ranking de países conforme a participação feminina no parlamento, o Brasil ocupa o 154º lugar, com 10,7% de mulheres presentes na Câmara dos Deputados e 14,8% no Senado Federal, estando, portanto, atrás de praticamente todos os países da América Latina.

Por ordem de colocação: Bolívia está em 2º com 53% na câmara e 47,2% no Senado, México em 8º com 42,6% na câmara e 36,7% no Senado. Equador em 11º com 41,6%, Argentina em 16º com 38,9% na câmara baixa e 41,7% na câmara alta e o Peru em 80º lugar com 27,7%. Apenas para destacar os que estão acima da média mundial de 23,3%.

Interessante destacar que no ranking mundial por média das regiões as Américas, que apresentam uma média de 28,3%, só perdem para os países nórdicos com 41,7% de mulheres no parlamento.

É comum ver a política brasileira  comparada àquela dos Estados Unidos e este como grande referência democrática na região, mas ocorre que também os EUA (104°) estão muito atrás de vários países da América latina na questão da presença feminina nos parlamentos, apresentando percentuais abaixo da média mundial.

A depender da perspectiva, alguns termos como espaço, mulher e poder recebem conotações diferentes, e assim o que claramente acontece, além da sub-representação, é a marginalização das poucas mulheres que ocupam esses espaços e que sofrem cotidianamente com a naturalização de uma violência política sexista.

Essa tipologia foi trazida para o debate político acadêmico no I Encontro Nacional da Rede de Pesquisa Feminismos e Política, na UnB, em fevereiro, com o trabalho da professora Marlise Matos, do Departamento de Ciência Política da UFMG e Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a mulher (Nepen – UFMG).

O feminismo tenta construir, não é de hoje, sua própria versão dos fatos, busca ressignificar conceitos com perspectiva de gênero. A Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio parecem ser o carro chefe das conquistas das últimas décadas dentro da pauta feminina e da produção legislativa que reconhecem direitos das mulheres. Estas leis têm bastante em comum, mas trazem, sobretudo, conceitos e instrumentos de combate à violência contra mulher.

A importância de nomear os tipos de violência está em duas frentes: na desnaturalização da prática violenta e na necessidade de, uma vez identificada a violência, criar mecanismos capazes de cessá-la. Deboches, silenciamento e marginalização das mulheres na esfera política são, além de práticas anti-democráticas, sobretudo violências políticas sexistas. Países como Bolívia, México e Peru reconheceram, através de legislação especial, que as mulheres têm o direito a participarem dos assuntos políticos e públicos em condições de igualdade com os homens.

Nesse sentido, fica aqui meu apelo, na semana em que os olhares estão direcionados a nós mulheres, que possamos desnaturalizar a violência política sexista na prática cotidiana e que ao vermos xingamentos, desqualificações, silenciamentos e depreciações direcionados às nossas parlamentares e candidatas que entendamos a gravidade desta ação.

Estas mudanças são importantes sobretudo em razão da dignidade da mulher enquanto cidadã e, de forma acessória, à qualidade da democracia que queremos.

Natasha Vasconcelos  é advogada, mestranda em Ciência Política pela UFPA e faz parte da Rede de Pesquisa Feminismos e Política da UNB.

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