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“Comparar Trump a Hitler distrai da ameaça real”

Historiador explica diferenças entre ascensão do ditador nazista e do republicano e alerta sobre risco de compará-los

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É possível fazer uma comparação entre Donald Trump e Adolf Hitler? Um tuíte do usuário Johan Franklin viralizou nesta semana, provocando a ira de fãs do magnata nova-iorquino e novo presidente dos Estados Unidos.

“Prezados americanos, vão em frente, votem no cara de voz alta e que odeia minorias, ameaça prender seus adversários, não está nem aí para a democracia e diz que pode resolver tudo sozinho. O que pode dar errado?”

Em entrevista à Deutsche Welle, Thomas Weber, professor de História e Política Internacional e diretor do Centro de Segurança Global na Universidade de Aberdeen, na Escócia, diz que tal comparação é plausível em nível tático, mas que não se deve esquecer que há mais diferenças que semelhanças entre Trump e Hitler.

Deutsche Welle: A lista daqueles que comparam Donald Trump com Adolf Hitler fica cada vez mais longa. Além de um ex-presidente mexicano, de uma meia-irmã de Anne Frank e diversos observadores eleitorais, no início da semana um Twitter do usuário Johan Franklin com uma advertência comparativa viralizou na rede social. Essa comparação é justificável?

Thomas Weber: Antes de saber se a comparação é justificável ou não, deve-se considerar se ela é politicamente útil. Quando se menciona Hitler perde-se qualquer discussão, pois a conversa passa a girar em torno somente da comparação com o ditador nazista. No caso de Trump, isso distrai da ameaça real que pode surgir independentemente de uma alusão a Adolf Hitler.

Mas acredito que existam semelhanças entre o atual sucesso de Donald Trump e o êxito de Hitler no passado. Acho que elas devem ser procuradas principalmente no nível tático, pois ambos se apresentam como antipolíticos que querem levar novamente seu país a uma posição de liderança. E ambos proporcionam uma grande flexibilidade tática. E isso é mais contundente no novo presidente republicano do que no antigo ditador nazista.

E também existe uma semelhança na forma como os dois são percebidos pelo público. Justamente pelo fato de ambos se apresentarem com tanta flexibilidade, é difícil saber o que realmente querem dizer. Isso é bastante útil porque permite que pessoas das mais diferentes posições políticas possam pensar que Hitler ou Trump esteja do seu lado. Nesses níveis, vejo grandes semelhanças. Apesar disso, diria que as diferenças entre os dois estão em número ao menos igual, senão ainda maior.

DW: E quais são as diferenças?

TW:
Em primeiro lugar, Trump representa aquilo que Hitler odiava. O ditador nazista não era somente antissemita e antibolchevista, mas particularmente em seu período inicial, o anticapitalismo e o antiamericanismo também tinham a mesma importância para ele. Assim, o milionário republicano seria quase a personificação daquilo que Hitler não gostava.

Mais importante ainda é que, por trás dessas semelhanças, Trump dispõe de uma grande flexibilidade de pensamento e ação política, algo que não se encontra em Hitler. No caso do ditador nazista, existe uma flexibilidade somente em nível tático, enquanto no caso de Trump, isso vai bem mais além.

O novo presidente republicano é um empresário para quem acordos e compromissos fazem parte, afinal, do próprio negócio. Para Hitler, por outro lado, qualquer acordo era um mau acordo. Por isso, em última análise, a abordagem política deles é completamente diferente para além da campanha eleitoral.

Como foi indicado inicialmente, isso não significa que Trump não seja perigoso. O arriscado está no fato de o republicano, como demagogo e populista, fazer e dizer tudo que for necessário para chamar atenção e chegar ao poder.

Na melhor das hipóteses, isso significa que teremos um presidente que talvez não nos agrade muito, mas que não é nenhuma catástrofe, já que aceita acordos e compromissos.

Mas acho antes que esse cenário positivo não vai acontecer e que, na verdade, emana de Trump uma grande ameaça, pois como um populista e demagogo, ele destrói todas as regras escritas e tácitas da política americana, para chamar atenção e chegar ao sucesso. Afinal de contas, ele emprega as regras da “reality TV” americana na política, destruindo assim todas as regras políticas do país. E quando as regras da política e da vida social de uma nação são destruídas, então não se sabe que efeitos colaterais surgirão desse fato.

DW: Trump não é comparado somente com Hitler, mas também os EUA com a antiga Alemanha nazista. Essa comparação é legítima?

TW: 
A comparação é, naturalmente, legítima, mas é preciso se perguntar até onde se vai com ela. A semelhança está no fato de, na Alemanha da década de 1920 e 1930, uma classe média baixa e uma classe baixa se viam como as perdedoras da crise econômica mundial, da inflação e das consequências do Tratado de Versalhes – da mesma forma que acontece hoje nos EUA.

Ali, uma classe média baixa e branca acredita, pela primeira vez em décadas, que o futuro não será melhor que o passado, vendo-se como perdedora da globalização, de Wall Street e da crise financeira. Portanto, há certas semelhanças na situação política Alemanha-EUA no tocante a essas classes sociais e à sua disposição de apoiar Trump ou Hitler.

Mas deve-se ter cuidado para que essa comparação não seja levada longe demais. Afinal de contas, eu diria que as diferenças são mais importantes que as semelhanças. E, apesar de existirem sérios problemas, os EUA funcionam como Estado e sociedade, o que não era o caso na Alemanha no período entre guerras.

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