Política

Avanço da oposição a Trump nos EUA atrapalha futuro governo Bolsonaro

Com mais governadores e maioria na Câmara, democratas pretendem infernizar a Casa Branca até a eleição presidencial de 2020

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Com o PSDB no Itamaraty, o governo Temer nasceu, em maio de 2016, preparado para atrelar-se a um governo norte-americano comandado pela democrata Hillary Clinton. O então chanceler José Serra dizia que a eleição do republicano Donald Trump seria um “pesadelo”. Seis meses depois, deu Trump, que não liga para a América do Sul e peita a China, maior parceiro comercial do Brasil.

Já Jair Bolsonaro aposta numa política externa copiada de Trump – há grande semelhança também nos planos econômicos, e os trumpistas foram taxados este ano de anti-pobres pela ONU. A recente eleição parlamentar e estadual na terra do Tio Sam mostra que o ex-capitão talvez encare problema similar ao Temer: ter se preparado para uma hegemonia política nos EUA, e vir outra pela frente.

Na terça-feira 6, os americanos elegeram deputados, parte dos senadores e dos governadores. Trump perdeu a maioria na Câmara. E seu partido terá menos governadores: eram 33 em 50 estados, e agora serão 26 – podem chegar a 27, pois ainda há de votos em um estado). Trump viu, porém, “tremendo sucesso” seu. Provavelmente porque sua maioria no Senado ficou mais folgada.

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Sem controle da Câmara, ficará mais difícil para a Casa Branca aprovar leis e o orçamento. Acordos militares com outros países, também, um mau sinal para Bolsonaro. Logo após o deputado do PSL ser eleito, Trump escreveu no Twitter que os EUA teriam “estreita colaboração com o comércio, o exército e tudo mais” com o Brasil de Bolsonaro.

Especializado em Brasil, o cientista político Mark Langevin, da universidade americana George Mason, acredita que os deputados democratas “vão fritar Trump aos poucos”, para enfraquecê-lo até a eleição presidencial de 2020. “Vão investigá-lo em várias frente, todas voltadas à corrupção da família dele e à cooperação dos russos na campanha de 2016”, afirma.

Como serão maioria na Câmara, os democratas vão comandar uma comissão da Casa útil para apertar Trump nos embaraçosos temas mencionados por Langevin. É a comissão do Judiciário, responsável por vigiar o Departamento de Justiça, equivalente ao nosso ministério da Justiça.

Vários ex-colaboradores de Trump são investigados, e essas apurações podem chegar diretamente ao presidente. São investigações conduzidas por um procurador especial, Robert Muller, designado em maio de 2017 pelo procurador-geral, Jeff Sessions. Este era ministro da Justiça e foi mandado embora por Trump justamente na noite no dia da eleição da terça-feira 6.

Há quem veja na demissão de Sessions uma tentativa de obstrução da Justiça por parte do presidente, um crime que dá impeachment por lá. Não é a primeira suspeita de obstrução, aliás.

Em maio de 2017, Trump exonerou o então chefe do FBI, a Polícia Federal dos EUA. James Comey, o degolado, contou em um livro lançado em abril deste ano, A Higher Loyalty (Uma lealdade maior, em tradução literal), qual teria sido o motivo da demissão.

Em uma conversa em 14 de fevereiro de 2017, na Casa Branca, Trump teria pedido a Comney para esquecer uma investigação sobre um ex-assessor presidencial, Michael Flynn. Segundo Comey, Trump teria dito: “Eu espero que você possa ver um jeito de deixar isso para lá, de deixar Flynn para lá. Ele é um bom sujeito. Espero que você possa esquecer isso”. Comey não topou.

Flynn havia sido demitido na véspera, menos de um mês após Trump assumir. Era conselheiro presidencial para segurança nacional. Deixou o cargo depois da descoberta de que, antes da posse de Trump, havia se reunido com o embaixador russo nos EUA, Sergei Kislyev, e discutido sanções aplicadas à Rússia pelo governo Obama. Flynn mentiu sobre ter tido a reunião.

Essa reunião é um dos elementos usados na investigação do procurador Muller. Flynn já se declarou culpado de alguns delitos, como mentir ao FBI e obstruir a Justiça. Idem para Paul Manafort, companheiro de negócios e diretor de campanha de Trump, condenado recentemente em acusações de fraude bancária e fiscal.

Richard Gates, vice-diretor de campanha de Trump, é outro que já admitiu crimes. Michael Cohen, advogado de longa data e preposto de Trump, também, por fraudes tributárias e bancárias e caixa 2 na campanha de Trump. Em depoimento, disse que o presidente mandou-lhe comprar o silêncio de mulheres que alegadamente tiveram relações com Trump.

São esses elementos que os deputados democratas vão explorar contra o presidente na Comissão do Judiciário da Câmara, através de audiências públicas, requisição de informações e por aí vai.

O indicado para comandar a comissão é um deputado-procurador de Justiça, Jerry Nadler. Aos 71 anos, Nadler foi eleito por Nova York. É um típico liberal, alvo da “guerra cultural” de Trump, a mesma que o bolsonarismo detonou contra os progressistas brasileiros.

“A questão do impeachment está no caminho”, disse Nadler na quinta-feira 9 a um site americano especializado em Congresso, o Roll Call. É, contudo, cauteloso sobre o tema, por razões filosóficas. Para ele, impeachment, só com apoios nos dois principais partidos.

“Se você está falando sério sobre a remoção de um presidente do gabinete, o que você está fazendo é reverter o resultado da última eleição”, afirmou. “Você não quer ter uma situação em que você destrua esse país e pelos próximos 30 anos metade do país esteja dizendo: ‘Nós ganhamos a eleição, você a roubou’.”

Fica a lição para os apoiadores da derrubada de Dilma Rousseff.

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