Sociedade

Artista Tikuna diz que falta de ajuda faz índio buscar medicina tradicional

Cantora e compositora indígena trata música como ferramenta de resistência

(Foto: Diego Janatã/Divulgação.)
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Cantora do povo Tikuna, Djuena nasceu em Umariaçu, comunidade indígena na fronteira entre o Brasil, Peru e Colômbia. Na infância, acompanhou de perto as manifestações culturais dos índios amazônicos. Em Manaus, participou de trabalhos no teatro e no cinema. Com os irmãos, montou o grupo Magüta. Produziu ainda um documentário que mostra um panorama das principais manifestações musicais de sua nação indígena.

Lançou em 2017 seu primeiro álbum solo, o Tchautchiüãne, que quer dizer minha aldeia. No ano passado, apresentou seu mais novo projeto, intitulado Wiyaegü, uma homenagem ao canto dos seus ancestrais. “Tchautchiüãne, mesmo sendo autoral (composições na língua Tikuna), expressa a cultura em diálogo, sendo uma ponte que liga os saberes. Lembrando que também estamos aqui e fazemos parte dessa aldeia global. Faço parte de uma cultura que segue tradicional e se liga aos novos tempos”, define o primeiro trabalho Djuena Tikuna.

Este álbum chegou a ser indicado ao Indigenous Music Awards, a maior premiação artística indígena do mundo. Lembra ela que o trabalho foi lançado em show no Teatro Amazonas, em Manaus, sendo o primeiro protagonizado por uma indígena naquele palco, tornando o acontecimento um marco em mais de 120 anos de existência do local.

“Nosso trabalho tem ajudado a pautar formas de expressão indígena. Queremos ter acesso a políticas de incentivo ao setor artístico. É com gratidão que coloco a minha voz à disposição da causa indígena, sabendo que toda arte indígena é um ato de resistência”.

Já o trabalho Wiyaegü, que quer dizer nosso canto, é uma homenagem aos ensinamentos e a sabedoria do povo Tikuna. Ele tem a participação de crianças e idosos, a maioria da família de Djuena. O projeto é composto por um livro-CD trilíngue, em português, inglês e Tikuna. O trabalho foi lançado em novembro passado em algumas cidades europeias e esse ano seria apresentado em outros países, até que a pandemia do novo coronavírus atingiu o mundo.

Desgoverno

“A arte é pedagógica, a música é um instrumento de formação e também é política, sendo uma prática de afirmação da nossa identidade”.

Durante esses tempos de pandemia, a artista afirma estar construindo parcerias em projetos musicais com outros artistas que são aliados da causa indígena.

“A pandemia tem mostrado como um governo que não reconhece a importância de cuidar do seu povo é capaz de condenar todos à morte. Não houve por parte do governo, através da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) ou da Funai, um plano de ação emergencial para prevenir a contaminação por covid-19 em nossas aldeias, seja nos territórios demarcados ou nas comunidades na cidade”, denuncia.

“A ausência de equipes de saúde capacitada, aliada à falta de equipamento de proteção individual, falta de medicamentos, só demonstra o descaso com a saúde indígena. Nas periferias das grandes cidades, especialmente na Amazônia, a situação indígena é um drama invisibilizado”.

Ela informa que, de acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), pelo menos 110 indígenas morreram vítimas do coronavírus. “O governo Bolsonaro burocratizou a chegada de ajuda humanitária nas terras indígenas. Por isso muitos estão recorrendo aos conhecimentos da medicina tradicional para o tratamento da doença. Os que podem, estão se isolando no mato, fugindo dessa pandemia”. Campanhas de financiamento coletivo para doação de alimentos e material de higiene também têm sido feita nas cidades para ajudar as comunidades indígenas.

Ela critica a MP 910/2019, que legaliza a invasão de territórios indígenas, sendo apresentada em meio à pandemia para atender a bancada ruralista e anti-indígena. “Os planos do Ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles) de passar com sua boiada, as considerações do Weintraub (Ministro da Educação), os delírios da Regina (Duarte, ex-secretária da Cultura), as visões da Damares (Ministra dos Direitos Humanos), são exemplos do que fazem girar o rolo compressor desse desgoverno”.

Mas com a resiliência indígena conhecida, diz estarem nesse papel de resistência há cinco séculos: “Parafraseando uma de nossas lideranças, ‘há tempos nós, povos indígenas, lutamos contra o extermínio, e não sabemos se os brancos conseguirão resistir’”.

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