Cultura

Livro destrincha os enigmas do disco ‘África Brasil’, um marco de Jorge Ben Jor

‘África Brasil: Um Dia Jorge Ben Voou para Toda a Gente Ver’ apresenta um artista atento à valorização da identidade negra

Jorge Ben Jor: reinvenção e readaptação das raízes afro-brasileiras (Reprodução/Facebook Jorge Ben Jor)
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Um dos maiores enigmas da música brasileira, Jorge Ben, que desde 1989 passou a assinar Jorge Ben Jor, ganha livro que destrincha as referências do artista nos seus anos de carreira mais produtivos e, ao mesmo tempo, intrincados.

Com o nome de África Brasil: Um Dia Jorge Ben Voou para Toda a Gente Ver (Edições Sesc), a obra deságua no álbum África Brasil (1976), um dos trabalhos mais reveladores da capacidade criativa do músico.

Esse álbum, o 14º de Jorge Ben, representa o momento em que o cantor e compositor troca o violão acústico pela guitarra elétrica. Mas esse é apenas um detalhe.

O livro da jornalista Kamille Viola apresenta um artista atento à valorização da identidade negra. O África Brasil é considerado o último trabalho da trilogia alquimista de Jorge Ben – os dois primeiros são A Tábua de Esmeralda (1974) e Solta o Pavão (1975). Os álbuns anteriores do músico, entretando, reúnem elementos tão marcantes quanto estes três.

Um detalhe: antes do África Brasil, ele ainda gravou um disco com Gilberto Gil, o Ogum, Xangô (1975), um dos mais emblemáticos registros fonográficos da cultura negra no País.

Jorge Ben não influenciou apenas artistas. Também é peça importante de movimentos surgidos nas últimas décadas, desde a Black Rio (sua essência), passando pelo Tropicalismo (cultura brasileira e inovação estética) e Manguebeat (o groove em pessoa), até o Rap (Jorge Ben faz o canto falado do gênero). Ele não seria tão influente nesses círculos se sua obra não reunisse características fundamentais de reinvenção e readaptação, notadamente das raízes afro-brasileiras ao seu jeito.

A autora, que pesquisa a obra de Jorge Ben há mais de uma década, conta a saga para entrevistar o arredio músico. Nesta pandemia, descobriu-se que ele vive no Copacabana Palace desde 2018, aumentando ainda mais o mistério em torno dele.

Universalidade

Jorge Ben é um dos poucos artistas brasileiros a fazer sucesso na Europa e nos Estados Unidos antes da globalização e da internet. A sonoridade universal de músicas como Taj Mahal, País Tropical, Chove Chuva e Mas que Nada o levavam a qualquer mercado.

Essa universalidade não parece intencional, mas sim intuitiva. A conjunção de fatores e ideias (não necessariamente sofisticadas) formam um caldeirão sonoro raramente visto em outros artistas.

O livro retrata a simplicidade inicial dos versos de Jorge Ben, que com o tempo vão ganhando significado mais consistente (a crítica também passou a entender o seu recado), além de força rítmica, com letras e melodias altamente impregnadas da afro-brasilidade e de citações místicas. 

O álbum África Brasil é talvez o ápice da formação múltipla de Jorge Ben. Une ritmos brasileiros e americanos originários da África a narrativas africanizadas, espirituais e imaginativas. 

Pelo menos três faixas entram falam da negritude de forma sublime: Xica da Silva, África Brasil (Zumbi) e Ponta de Lança Africano (Umbabarauma), essa última fala também do futebol, sua paixão enaltecida antes na canção em homenagem ao “folclórico” Fio Maravilha.

Depoimentos de artistas importantes endossam no livro de Kamille Viola a relevância da obra de Jorge Ben, esse personagem da cultura brasileira que impôs uma linguagem criativa e transcendente para valorizar a negritude. Salve Jorge, que também é da Capadócia!

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