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Putin não contava com a reação do Ocidente. Agora, precisa escapar do labirinto em que se meteu

O presidente russo apostava na patente hesitação do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na fragmentação europeia e nos interesses econômicos envolvidos

F: Alexander Nemenov/AFP
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Na nossa última conversa, ­cerca de ­duas semanas atrás, ­Pavlo ­Sadhoka não escondia o alívio diante de um suposto recuo das tropas russas estacionadas na fronteira leste da Ucrânia. A invasão ainda não havia sido iniciada, subsistia a esperança de uma solução diplomática e o Kremlin ironizava os alertas de uma guerra iminente emitidos pelos serviços de segurança dos Estados Unidos. Presidente da associação dos imigrantes ucranianos em Portugal, às voltas com inúmeros pedidos de socorro de compatriotas, o bancário que vive desde 2006 em Lisboa tinha um motivo adicional de preocupação diante da escalada do conflito: os pais, idosos, viviam em Lviv, a mais importante cidade a oeste da capital, Kiev. Sadhoka traçara uma rota de fuga, um encontro na fronteira polonesa e uma viagem de carro de 40 horas até uma casa emprestada pela família da mulher portuguesa. As notícias “positivas” de 15 dias o levaram, no entanto, a adiar o plano. “Fui um pouco ingênuo”, admite. O encontro protelado aconteceu na terça-feira 1°, por coincidência dia do aniversário de 86 anos do pai de Sadhoka, Olef. Ele, a mulher Natália, de 81 anos, e um neto com deficiência física vagaram por três dias em uma jornada de 60 quilômetros entre Lviv e a fronteira polonesa. Os pais caíram em prantos, diz, ele escondia a emoção, preocupado em resolver a burocracia em meio ao caos ao redor. “Nunca imaginei que viveria uma situação assim”, desabafa o bancário, mais tranquilo, enquanto abastecia o automóvel em um posto de gasolina alemão.

Olef e Natália dão nome e forma aos 2 milhões de refugiados, segundo os cálculos das Nações Unidas, espremidos em estações de trem ou postos de controle rodoviário na Polônia, Romênia, Lituânia, Letônia e Estônia. A multidão cansada, faminta, impaciente, formada por crianças, idosos e mulheres (os homens são obrigados a permanecer na Ucrânia para engrossar as fileiras de batalha), fornece as imagens com as quais a mídia ocidental reitera a fama de mau de Vladimir Putin. A cobertura, que qualquer desavisado poderia confundir com um roteiro da Marvel, tem produzido relatos heroicos e comoventes, apesar de difícil verificação, sobre a resistência ucraniana. Um tanque russo teria atropelado um idoso. Bombas de fragmentação foram lançadas contra civis. Uma alegada conversa despretensiosa no Twitter – “Você vai sair de Kiev? Não, tenho um ­gato” – inspirou uma série de fotos de soldados com felinos no colo ou nos ombros. Âncoras da tevê estatal em estúdios improvisados em garagens despontam como ícones da liberdade de expressão. A influência da extrema-direita de viés neonazista nos grupos paramilitares ucranianos é relativizada, enquanto o presidente do país, Volodymyr Zelensky, comediante até então visto com desconfiança, tornou-se o “cara”, aplaudido de pé nos mais influentes fóruns internacionais, exaltado por celebridades do show business e, acabe como acabe a guerra, candidatíssimo a personalidade do ano da revista Time e, por que não?, ao Prêmio Nobel da Paz.

O KREMLIN, DE CASO PENSADO OU NÃO, REABILITOU A UNIÃO EUROPEIA E DEU SOBREVIDA À OTAN

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