Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Além do horizonte

O cronista gostou de Arembepe. Gostou porque viu ali uma vida muito diferente da que levava, trabalhando num laboratório de defesa vegetal, observando cochonilhas e pulgões

Foto: Divulgação/Prefeitura de Camaçari
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Quem tinha vinte, vinte poucos anos no início dos anos 1970, seguramente sonhou. Sonhou com uma vida diferente de como ela era. Sem dinheiro no bolso, sem patrão, sem consumo, sem estresse. Sonhou em viver tipo passarinho solto, um pardal.

Havia a possibilidade de ficar na cidade grande, deixar a casa dos pais, ir morar numa casinha pequenina onde o amor nasceu. Apenas um tatame no chão, um incenso aceso, livros de Carlos Castaneda, um pôster de Che Guevara na parede e nada mais.

Ah, e comida macrobiótica!

A outra possibilidade era pegar a estrada com destino a felicidade. Foi nessa vibe que o cronista foi parar em Arembepe, litoral norte da Bahia, o porto seguro do que chamavam de maluquice, mais tarde porraloquice.

Foi de carona, claro, o transporte mais anticapitalista do momento. Viajou em carrocerias de caminhões Fenemê, no porta mala de Veraneios, em fuscas envenenados, todo tipo de veículo motorizado. Caminhou também muito a pé, fazendo sinal de positivo com as mãos e vendo os automóveis em disparada.

Caminhou, penou, mas lá chegou. Em Arempebe! A vila de pescadores era coalhada de coqueiros, palhoças e barracas improvisadas. Ali estava vivendo toda aquela pequena multidão inconformada com o mundo, querendo mudá-lo, transformá-lo numa coisa melhor.

E olha que não havia o mundo em que um celular custa vinte mil, um tênis Nike dois mil e um boné do Neymar, mil e novecentos.

O cronista foi por curiosidade, como foi um dia parar na praça Dam, em Amsterdam, e na comunidade de Christiania, no centro de Copenhague.

Não, ele não chegou a Woodstock, nem mesmo ao Festival de Saquarema.

Ele gostou de Arembepe. Gostou porque viu ali uma vida muito diferente da que levava, trabalhando num laboratório de defesa vegetal, observando cochonilhas e pulgões pela lente de um grande microscópio.

Tinha professor de yoga, observador de estrelas, estudiosos de disco voadores, poetas, seresteiros, namorados. Tinha especialistas em beat generation, dançarinos, filósofos, tinha de tudo.

Foi lá que viu, pela primeira e única vez, Erasmo Carlos. Ele estava numa dessas barracas familiares, dá pra ficar de pé dentro delas. Bem equipado, ele se ocupava dos filhos, todos pequenos. O violão ficava dependurado do lado de fora da barraca.

Que diabos Erasmo Carlos estaria fazendo ali?

O cronista está debruçado num livro há vinte e quatro horas: Arembepe, aldeia do mundo, de Claudia Giudice, Luiz Afonso Costa e Sérgio Siqueira. O livro conta o sonho, a aventura e algumas histórias do movimento hippie.

O livro ainda não falou de Erasmo Carlos, mas o cronista estava pensando uma coisa. Creio que foi lá que ele escreveu os versos de uma canção que diz assim: Em frente ao coqueiro verde/Esperei uma eternidade/Já fumei um cigarro e meio/E Narinha não veio.

Verdade. Não me lembro de ter visto Narinha lá.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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