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Na entrega do Prêmio Camões ao ‘Everest’ Chico Buarque, catarse e emoção

Vencedor do prêmio em 2019, Chico Buarque teve de esperar quatro anos para receber a honraria, depois de Jair Bolsonaro ter se recusado a assinar o diploma que confirmava a premiação

Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP
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Sintra, Portugal

Não era um show, mas parecia. Ovacionado ao entrar no salão do Palácio de Queluz, onde Dom Pedro I nasceu e morreu (na mesma cama, aliás), aplaudido por quase um minuto ao fim da cerimônia, o escritor Chico Buarque, no púlpito do Prêmio Camões, era ele, uma categoria, um país inteiro. “Recebo essa homenagem mais como um desagravo a tantos autores e artistas humilhados e ofendidos por um período de estupidez e obscurantismo”.

Emocionado, o compositor tropeçou nas palavras, segurou o choro e achou na piada uma forma de controlar os sentimentos. Como no momento em que se valeu da “polêmica” da gravata comprada às pressas pela primeira-dama, Janja da Silva, em uma loja Ermenegildo Zegna. “Hoje a Carol Proner saiu do hotel, atravessou a rua e comprou essa gravata para mim”.

Vencedor do prêmio em 2019, Chico Buarque teve de esperar quatro anos para receber a honraria, depois de Jair Bolsonaro ter se recusado a assinar o diploma que confirmava a premiação. O escritor ironizou o episódio: “O ex-presidente teve a rara fineza de não manchar o meu diploma. E ter deixado a assinatura para o nosso presidente Lula”.

Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, fez uma analogia entre o brasileiro e o norte-americano Bob Dylan, laureado com o Nobel de Literatura. Sousa citou uma frase do compositor Leonard Cohen a respeito do prêmio a Dylan: “É como dar uma medalha ao Everest por ser a maior montanha do mundo”. Uma redundância, em outras palavras.

O mesmo vale, disse Sousa, sobre o “Everest” Chico Buarque. “Ele é o premiado de hoje, como de há quatro anos, como de sempre. O Camões é de 2019, mas poderia ser de qualquer ano”.

Lula, que discursou na sequência, lembrou da promessa feita na prisão de ser inocentado, ganhar as eleições e entregar o galardão ao escritor e amigo. “É uma satisfação para mim corrigir um dos maiores absurdos cometidos contra a cultura brasileira. Esse prêmio é a resposta do talento contra a censura“.

Nos minutos finais de sua intervenção, Lula abandonou as folhas de papel e falou de improviso. O presidente recorreu a uma alegoria: disse que gostaria de ter sido cantor, compositor e escritor, mas sua mãe o teria dissuadido da ideia. “Tem um menino aí, dois anos mais velho, chamado Chico Buarque, que vai ser isso tudo”.

“E o que resta para mim, mãe?”, teria perguntado. “Espera, que você vai ser presidente”.

Criado em 1988 pelos governos do Brasil e Portugal, o Camões é a premiação de maior prestígio da língua portuguesa. A recusa de Bolsonaro em assinar o diploma de Chico Buarque represou a distribuição da honraria nos anos posteriores. Depois do romancista e compositor foram escolhidos, mas não premiados, o português Vítor Manuel de Aguiar e Silva (2020), a moçambicana Paulina Chiziane (2021) e o brasileiro Silviano Santiago (2022). O vencedor recebe 100 mil euros, cerca de 550 mil reais, valor dividido entre os governos brasileiro e português.

“Chico Buarque é um artista e cidadão que, para nós, tem uma representatividade muito alta. Pela dimensão de sua obra, pelo que representa para o povo brasileiro, para a democracia”, afirmou à agência Lusa a ministra da Cultura, Margareth Menezes. “É um artista que sempre se envolveu e se colocou na luta a favor da democracia”.

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