Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Livro detalha disco de críticas sociais que se tornaram hits dos Paralamas do Sucesso

O álbum, de 1986, tem forte influência do reggae e faz reflexões sobre questões contemporâneas em ‘Alagados’, ‘Teerã’, ‘A Novidade’ e ‘Selvagem’

Imagem: Reprodução
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O álbum Selvagem?, dos Paralamas do Sucesso, é um daqueles discos do rock nacional oitentista que jogam luz sobre o que pensava do País uma geração musical emergida no período inicial da redemocratização. 

Lançado em 1986, o trabalho tem músicas de cunho social, que se tornaram sucessos, pela boa combinação de letras mais acessíveis e diretas com uma ótima construção sonora. É o caso das canções Alagados, Teerã, A Novidade e Selvagem.

Os Paralamas do Sucesso: Selvagem? (Cobogó; 168 páginas), de Mario Luis Grangeira, detalha a construção do terceiro álbum da banda, considerado um marco também por deixar de lado as influências musicais inglesas – que alimentaram a geração do rock dos anos 1980 – e incorporar africanidades e seus lastros, especialmente o reggae.

O autor, doutor em sociologia, faz uma boa contextualização daquele tempo, com as liberdades ainda na berlinda e a democracia sem solidez. O álbum de Herbert Viana (voz e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) surgiu nesses tempos com misto de (alguma) esperança e (muita) desconfiança.

Como Grangeira descreve no livro, Alagados fala da exclusão na cidade e a fé, Teerã da infância nas ruas, A Novidade da desigualdade, e Selvagem da falta de liberdade e do racismo. Apenas a canção A Novidade não é dos três Paralamas, mas de Gilberto Gil, que participou do disco na faixa Alagados.

As letras com ares atemporais são de Herbert Viana, sem panfletarismo. Em Alagados, o guitarrista cita Favela da Maré porque ficava no seu caminho da faculdade, quando estudava arquitetura (antes de desistir do curso) na UFRJ, na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro.

O vocalista, na construção de letra musical, tem apego a imagens, à crônica cotidiana, a sentimentos e sensações – impulsos despejados em “Palafitas, trapiches, farrapos/ Filhos da mesma agonia” (de Alagados), “Se essas crianças vão sempre estar/ Pedindo trocados pros vidros fechados” (de Teerã) e “O governo apresenta suas armas/ Discurso reticente, novidade inconsistente” (de Selvagem).

No disco de 10 faixas, a canção O Homem (Bi e Herbert) talvez possa entrar nesse rol crítico, com reflexão existencial profunda, ressaltada no livro.

No álbum clássico produzido por Liminha, manteve-se a irreverência, marca daquela geração, com a Melô do Marinheiro (letra de Barone) e a sua versão instrumental no mesmo disco, a Marujo Dub – citação ao dub remete aos efeitos na faixa do gênero considerado precursor do reggae.

A Dama e o Vagabundo (Bi e Hebert) e a música em inglês de Herbert Viana There’s a Party seguem a linha mais romântica-juvenil, outra característica da geração.

O disco fecha com regravação de Você (“Você/ É algo assim/ É tudo pra mim…”), de Tim Maia. Aqui, o autor Mario Luis Grangeira relaciona a canção à extrema capacidade de Herbert Viana de produzir canções nessa linha, reconhecimento que veio muitos anos depois.

O músico é de fato um dos grandes compositores brasileiros – assim como Bi é um dos grandes baixistas do País e Barone um dos principais na bateria. Exalta-se o fato de estarem aí, os três, há mais 40 anos na estrada. Essa junção de talentos permitiu produzir um disco como Selvagem?, um exemplo bem acabado de quando letra, melodia, arranjos e inovação se juntam.

O livro volta no fim à reflexão do que foi aquela geração para a história da musica brasileira. Liberdades ali foram reivindicadas em meio ao contexto de redemocratização. A obra ajuda a dissipar uma dubiedade existente sobre o rock nacional surgido naquele período.

Vale citar que o autor de Os Paralamas do Sucesso: Selvagem? renunciou a seu percentual de direito autoral sobre o livro em benefício do Curso InVest, pré-vestibular comunitário no Rio.

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