Saúde
Estupradas por conhecidos são as que chegam mais tarde aos serviços de aborto legal
Especialistas destacam a urgência de acesso ao aborto seguro para vítimas de violência sexual e os desafios impostos por novas propostas legislativas
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Na última quarta-feira, 12 de junho, um homem foi preso suspeito de estuprar a própria filha de 17 anos, que estava internada por problemas respiratórios em uma UTI em São Paulo.
Em caso de uma gravidez decorrente dessa agressão e interrupção da gestação após as 22 semanas, a vítima poderia pegar uma pena entre 6 e 20 anos de prisão. Pena maior, inclusive, que a do próprio agressor, considerando que a pena máxima prevista para a prisão de um estuprador que não causa lesão corporal grave é de 15 anos.
Isso é o que propõe o PL 1904/24, do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que equipara ao homicídio o aborto após 22 semanas de gestação. A proposta, inicialmente aprovada em regime de urgência pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, restringe o acesso aos três casos legalizados no país, de acordo com o Código Penal.
Por que a demora para realizar um aborto?
No Brasil, embora as mais jovens continuem sendo as mais propensas a realizar abortos tardios, o perfil que mais chega tarde aos serviços de aborto legal são mulheres vítimas de violência sexual por uma pessoa conhecida ou aparentada, afirma o ginecologista e obstetra Jefferson Drezett, que coordenou por mais de vinte anos o serviço referência de aborto legal do Pérola Byington. “Na minha experiência, poucas são as mulheres que chegam com mais de 22 semanas de idade gestacional, um percentual em torno de cinco, seis, sete por cento em relação ao geral. Mas é um percentual expressivo, importante.”
Entre 2015 e 2019, 67% das vítimas de estupro eram meninas com idades entre 10 e 14 anos. Sobre os agressores, 62,41% eram conhecidos das vítimas e, na maioria das vezes, a violência ocorreu na casa da vítima. É o que revelou o estudo Sem Deixar Ninguém para Trás – Gravidez, Maternidade e Violência Sexual na Adolescência, do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) com a Fiocruz da Bahia.
De acordo com o médico, o efeito do agressor conhecido sobre suas vítimas, seja em forma de ameaça, pressão psicológica ou intimidação, é o fator mais importante para causar o atraso no procedimento. “A presença do agressor sexual no cotidiano, próximo a essa jovem, é um fator influenciador muito grande para postergar a revelação da violência, atrasar a revelação da gravidez decorrente dessa violência e impedir que qualquer medida seja tomada em relação a isso”, completa o ginecologista . Vítimas portadoras de transtornos intelectuais também são mais propensas a acessar o serviço de aborto legal tardiamente, uma vez que não compreendem o ocorrido, levando também ao desconhecimento da gravidez.
Conforme levantamento da GloboNews com base no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde, dos aproximadamente 5,5 mil municípios brasileiros, apenas 104 possuem serviços de aborto legal em unidades de referência. A desigualdade na distribuição dos serviços, a imposição ilegal de limites gestacionais e a carência de profissionais capacitados e infraestrutura adequada também são fatores que impedem as mulheres de realizarem o aborto mais cedo.
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