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A reconstrução democrática no Brasil vai exigir a produção de cidades socialmente justas e ambientalmente viáveis. Este o escopo do Projeto Brasil Cidades.
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A quem interessa o fim da função social da propriedade?
É fundamental que a sociedade participe ativamente do debate sobre a PEC das Praias, garantindo que o futuro das nossas cidades seja pautado pelo interesse público
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Recentemente, a discussão sobre a PEC das Praias mobilizou a sociedade contra a privatização de terrenos de marinha e trouxe à tona um novo risco: a perda de um importante mecanismo de combate à especulação imobiliária nas cidades. A Proposta de Emenda à Constituição 80/2019, apresentada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e atualmente em análise no Senado, busca modificar a Constituição para exigir autorização legislativa ou judicial para desapropriar imóveis ociosos que não cumprem com a sua função social, conforme as funções estabelecidas no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano.
A Constituição de 1988 estabelece que a propriedade deve cumprir uma função social. No artigo 182, ela prevê instrumentos como parcelamento ou edificação compulsórios, o IPTU progressivo e a desapropriação paga em títulos da dívida pública para assegurar o uso adequado de terrenos urbanos. Estes instrumentos permitem que o poder público municipal promova o aproveitamento adequado de propriedades urbanas que estejam não edificadas, subutilizadas ou não utilizadas, estipulando que o Plano Diretor contenha as exigências fundamentais para o cumprimento da função social da propriedade urbana.
Para as propriedades rurais, o artigo 186 exige que elas cumpram a função social mediante o aproveitamento racional e adequado, a utilização correta dos recursos naturais, a preservação ambiental, o respeito às normas trabalhistas e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.
A função social da propriedade é um princípio fundamental da Constituição de 1988. Ela garante que o direito de propriedade esteja sempre alinhado com o interesse público, prevenindo abusos e promovendo justiça social. A função social da propriedade também é considerada como princípio da ordem econômica, que deve observá-la para concretizar a busca pela justiça social. Por isso, ao estabelecer limites e condições ao uso da propriedade, a Constituição se preocupa com o abuso de direito por parte do proprietário, vinculando-o ao cumprimento das exigências estabelecidas na legislação própria, como é o Estatuto da Cidade.
A PEC 80/2019 sugere mudanças significativas, acrescentando parágrafos aos arts. 182 e 186 da Constituição Federal. Entre as principais alterações está a proposta de que a função social da propriedade seja considerada cumprida se apenas um de três requisitos for atendido: parcelamento ou edificação adequados, uso compatível com sua finalidade, ou preservação do meio ambiente ou do patrimônio histórico, artístico, cultural ou paisagístico. Essa mudança enfraquece o papel do Plano Diretor e limita a obrigação de uso adequado da propriedade.
Além disso, a PEC impede que os municípios declarem o descumprimento da função social da propriedade sem uma autorização legislativa ou judicial prévia. Isso significa que a administração pública municipal perderia a capacidade de fiscalizar de forma eficiente o uso do solo urbano, violando a separação de poderes e favorecendo a especulação imobiliária ao suprimir o poder de autoexecução dos atos de polícia administrativa municipal, condicionando a atos de outros poderes (legislativo e judiciário).
Outro ponto relevante é que o projeto prevê que a desapropriação pelo descumprimento da função social da propriedade urbana seja realizada pelo valor de mercado do imóvel, ou seja, garantindo que não haja a desvalorização do bem cujo proprietário não cumpre com a norma constitucional.
Atualmente, a desapropriação da propriedade urbana que não cumpre função social é feita com pagamento em títulos da dívida pública, o que desestimula a especulação em áreas urbanas. Com a mudança, os proprietários de imóveis ociosos seriam compensados pelo valor de mercado, o que pode recompensar comportamentos inconstitucionais, ao invés de puni-los.
Esse projeto, que vem tramitando discretamente no Senado, recebeu parecer favorável da senadora Juíza Selma em 2019. Desde março deste ano, ele está sob a relatoria do senador Rogério Marinho, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Se aprovada, a PEC 80/2019 representará uma mudança drástica na política urbana do Brasil, reduzindo a capacidade dos municípios de combater a especulação imobiliária e promover o uso socialmente adequado das propriedades. Por isso, é fundamental que a sociedade acompanhe de perto essa discussão e participe ativamente do debate sobre o futuro das nossas cidades.
Essa proposta levanta importantes questões sobre o equilíbrio entre direitos individuais e o bem-estar coletivo, e sobre como a legislação pode ser usada para promover ou impedir o desenvolvimento urbano sustentável e justo. A participação cidadã e a transparência no processo legislativo são essenciais para garantir que essas mudanças reflitam os interesses da maioria e não apenas de uma minoria privilegiada.
A PEC 80/2019 abre novas fronteiras para a especulação imobiliária nas cidades e para a premiação dos violadores da ordem jurídica nas cidades e no campo, ao conceder indenizações com base em valor de mercado. A função social da propriedade não é apenas uma questão de ordenamento urbano, mas também de justiça social. Ao garantir que propriedades sejam utilizadas de maneira que beneficiem a coletividade, a função social da propriedade contribui para a redução de desigualdades e a promoção de um desenvolvimento urbano mais inclusivo.
Propriedades ociosas ou subutilizadas em áreas urbanas resultam em uma série de problemas, como falta de moradia, degradação de áreas centrais e expansão desordenada das cidades. Ao exigir que propriedades cumpram uma função social, a Constituição de 1988 busca assegurar que o uso do solo urbano atenda às necessidades da população e contribua para a qualidade de vida nas cidades.
A PEC 80/2019 se alinha a uma tendência de favorecer grandes proprietários e especuladores de terras urbanas, diminuindo a eficácia dos mecanismos de controle do uso do solo e enfraquecendo o poder das prefeituras na gestão urbana. Em vez de incentivar a utilização adequada das propriedades, a proposta acarretará um aumento da especulação imobiliária e da ociosidade de terrenos urbanos, agravando problemas como falta de moradia, infraestrutura precária e desigualdades socioeconômicas nas cidades.
É fundamental que a sociedade acompanhe de perto essa discussão e participe ativamente do debate sobre a PEC 80/2019, garantindo que o futuro das nossas cidades seja pautado pelo interesse público, a justiça social e o desenvolvimento sustentável.
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Por:
Antonio Celestino da Silva Neto é Pesquisador da Rede Nordeste de Monitoramento e Incidência em Conflitos Fundiários Urbanos (IBDU/Oak Foundation). Mestre em Direitos Humanos. Advogado.
Ariana Ferreira de Alencar Moraes é Pesquisadora da Rede Nordeste de Monitoramento e Incidência em Conflitos Fundiários Urbanos (IBDU/Oak Foundation). Especialista em Direito Constitucional Aplicado. Advogada.
Gilson Santiago Macedo Júnior é Coordenador da Rede Nordeste de Monitoramento e Incidência em Conflitos Fundiários Urbanos (IBDU/Oak Foundation). Doutorando e Mestre em Direito. Advogado. Colaborador da Rede BrCidades.
Lara Paula de Meneses Costa é Pesquisadora da Rede Nordeste de Monitoramento e Incidência em Conflitos Fundiários Urbanos (IBDU/Oak Foundation). Especialista em Direito Processual Civil. Advogada.
Pedro Levi Lima Oliveira é Pesquisador da Rede Nordeste de Monitoramento e Incidência em Conflitos Fundiários Urbanos (IBDU/Oak Foundation). Mestre em Ciências Sociais e Humanas. Advogado.
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