Cronômetro perverso

Uma vítima de estupro não pode ser obrigada a manter a gestação por ter acesso ao serviço de aborto legal tardiamente

O procedimento em estágios mais avançados da gravidez afeta de maneira desproporcional as mulheres em situação de vulnerabilidade social – Imagem: iStockphoto

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No Brasil, não há limite de tempo gestacional ao aborto induzido nos três casos permitidos por lei: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mãe e anencefalia fetal. Embora pouco frequente, o procedimento nas fases mais avançadas da gravidez afeta de maneira desproporcional as mulheres e meninas em situação de maior vulnerabilidade social. A dificuldade em reconhecer os sinais da gravidez entre as crianças e adolescentes, o desconhecimento sobre as previsões legais do aborto, a tardia descoberta de diagnósticos de malformações, geralmente após a primeira metade da gestação, e as barreiras geográficas – apenas 3,6% dos municípios contam com pelo menos um serviço de aborto legal – constituem as principais razões para a procura pelo aborto após a 22ª semana de gravidez.

A Organização Mundial da Saúde recomenda a indução de assistolia fetal nos casos de aborto induzido a partir das 20 semanas de gravidez. No Brasil, a quase totalidade desses casos acontece abaixo de 25 semanas e não há relatos de casos próximos do termo. O procedimento consiste na utilização de medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, visando retirá-lo do útero sem sinais vitais. Dessa forma, previne-se o desgaste emocional e psicológico das pacientes, dos acompanhantes e da equipe assistente. Além disso, estudos observacionais sugerem que, no tratamento medicamentoso, há diminuição do tempo entre o início da indução do aborto até a expulsão.

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2 comentários

CESAR AUGUSTO HULSENDEGER 23 de junho de 2024 15h02
O interessante nisso tudo é que muitos dos que querem proibir o aborto nesses casos são a favor da pena de morte. Muitos médicos, inclusive. Qual a diferença entre ser contrário ao aborto e ser favorável à pena de morte? Qual a diferença ética? O mandamento diz: Não matarás. Não faz exceção. Não diferencia um feto de um adulto, por pior que esse seja. O que parece é que há, na proibição do aborto , uma tentativa de punição à mulher, mesmo quando ela é a vítima, que é comum na doutrina das grandes religiões monoteístas no segundo caso, ao menos no Brasil, seria uma forma de racismo econômico, considerando que a maioria daqueles a quem se dirige a pena de morte por aqui é, normalmente, pobre, não branco, periférico e de pouca instrução?
WILLIAMS COSTA CANTANHEDE 24 de junho de 2024 19h42
O viés religioso subjaz no julgamento sobre o aborto mesmo nos casos protegidos por lei. A “lógica religiosa” é: se Deus liberou a vida àquele feto, e Ele não erra, logo é pecado ir contra a vontade de Deus. A ideologia preconceituosa baseada na “fé” aborta toda e qualquer disposição de enfrentamento da complexidade da questão do aborto e transfere todo ônus teológico - a condenação eterna - para aquela mulher, adolescente ou criança. Não estarão estes Pilatos que lavam as mãos entre aqueles que ouvirão de Jesus: “Não vos conheço, tampouco sei de onde sois. Retirais-vos para longe de mim vós todos que viveis a praticar o mal!” Lucas 13:28?

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