Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Livro narra a história da Som Livre, da valorização da música na TV à regra do algoritmo

Desde a preocupação com a qualidade até a ambição de ser a maior no digital, a ex-gravadora da Globo simboliza a transformação da indústria

Foto: Reprodução

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Som Livre: Uma Biografia do Ouvido Brasileiro (Globo Livros; 238 páginas), de Hugo Sukman, conta uma parte importante da indústria fonográfica no Brasil. Criada em 1969 em meio aos anseios de produzir novelas com o “padrão Globo de qualidade”, a Som Livre tinha inicialmente a proposta de valorização da música na teledramaturgia.

José Bonifácio Oliveira Sobrinho, o Boni, cuja busca por excelência na televisão incluía contar com os maiores nomes da música brasileira na programação da então novata Globo, a partir do final dos anos 1960, viu na estruturação de uma gravadora do grupo uma ideia promissora, embora inicialmente ela se centrasse na produção de trilhas de novelas. A missão de tocar a Som Livre coube a João Araújo.

A partir daí o livro relata as inúmeras canções feitas especialmente para novelas, enquadradas nas narrativas e nos personagens. Logo depois, a gravadora se dedicou à produção de discos autorais, não necessariamente ligados à teledramaturgia. A nata da MPB lançou, de alguma forma, trabalhos pela Som Livre.

Obviamente, a proximidade da Som Livre com a TV Globo e as emissoras de rádio do grupo, potências da comunicação, fazia os projetos da gravadora saírem muitas vezes à frente de congêneres do mercado, embora as multinacionais tivessem um marketing reconhecidamente forte e eficaz.

Hugo Sukman, jornalista experiente em música, com diversos livros publicados, vai bem ao relatar bastidores de artistas, canções e discos feitos pela Som Livre. Como o próprio autor define em dado momento da obra, a gravadora conseguia “atingir aquele ponto misterioso entre a cabeça e o coração, o lado comercial e o artístico, a eficácia e a qualidade”.

Mas o livro é também uma reflexão da indústria fonográfica, que se transformou muito nesse período de existência da Som Livre – em 2021, ela passou para as mãos da gigante global Sony, embora continue a funcionar como um selo à parte.


No fim dos anos 1980, quando foi institucionalizado no País o chamado jabá –  pagar a uma rádio pela execução de uma música -, o mercado fonográfico desandou. O livro de Sukman mostra a irritação de João Araújo com o novo modus operandi da indústria.

A prática, associada à pirataria do CD e, posteriormente, à transposição do produto fonográfico físico para o digital, o que tornou a música refém do algoritmo, criou uma necessidade de adaptação das gravadoras – inclusive aquela criada pela Globo.

A Som Livre se rendeu ao sertanejo, praticamente o único segmento musical a conseguir, por anos, navegar com desenvoltura em meio a tanta distorção na indústria, embora não esteja claro de que forma isso aconteceu.

A gravadora virou uma distribuidora de conteúdo musical, incluindo fonogramas. É interessante observar no livro como executivos da Som Livre hoje pensam o mercado e as estratégias de atuação e gestão na internet, onde a qualidade musical caminha de mãos dadas com métricas e análises do universo digital em movimento.

Nesse mundo novo, entender a regra do algoritmo é um dos grandes segredos da “novela”, e não mais enquadrar a música à teledramaturgia.

O livro é uma boa leitura não só para conhecer parte importante da história de nossa música, mas como o meio caminha atualmente na era digital.

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