Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Violeiro Paulo Freire vê a viola com diferentes linguagens musicais

O músico lança álbum de causo musicado, com narrativa inspirada na tradição oral

Apoie Siga-nos no

Aos 18 anos, Paulo Freire estava na faculdade, mas andava descontente com o que estudava. Além disso, o regime militar mandava e desmandava no país. “Era uma situação difícil”, lembra ele.

Seu pai, o escritor Roberto Freire, vendo o quadro de desesperança do filho, passou a lhe dar clássicos da literatura. “Comecei a ler muito. Entre os livros que vieram à minha mão, fui me interessando pelos do Brasil profundo”, recorda o violeiro.

Até que se deparou com Grande Sertão: Veredas, romance de Guimarães Rosa. A influente obra despertou nele e seus amigos, que também leram o livro, a vontade de adotar aquela linguagem na música.

“A gente já tinha um grupo de música, com os amigos, todo mundo com 18, 19 anos”, recorda.

Mesmo com pouca informação, eles partiram para o chamado Sertão de Urucuia, no norte de Minas Gerais, onde se ambienta o livro de Guimarães Rosa, para conhecer de perto aquele universo que tanto o chamavam a atenção.

Isso era o ano de 1977. “Não tinha GPS, mapa da região. A única informação que existia era um desenho do Poty (Lazzarotto) na orelha (do livro de Guimarães Rosa) com a localização onde se passava a trama do Grande Sertão. A gente tinha aquele mapa e a festa de Santo Antônio em 13 de junho, num lugar chamado Serra das Araras”, recorda.


“Lá, conheci alguns violeiros, entre eles o Mestre Manelim (Manoel de Oliveira). Encantei-me muito do jeito que ele tocava viola. Virei ‘filho’ de Seu Manoel com D. Vicentina e ganhei mais ‘sete irmãos’”, conta.

“Fiquei trabalhando na roça durante o dia. No fim da tarde, Seu Manoel me mostrava como ele observava a natureza e transformava em música. Foi um aprendizado fantástico”.

Paulo Freire, que se tornou um dos grandes violeiros do país, conviveu com Manelim até o seu falecimento em 2020. “As coisas vão se transformando muito. Quando conheci Seu Manoel, lá não tinha comunicação nenhuma com o mundo de fora. Seu Manoel aprendeu a tocar viola com a mãe de criação, e a natureza agindo forte em cima dele”, diz.

O toque de viola peculiar de Seu Manoel pode ser ouvida no disco lançado esse ano Deixe a Viola Me Levar, do Mestre Manelim, o qual Paulo Freire produziu com o também violeiro e pesquisador, Cacai Nunes – o álbum foi resenhado pela CartaCapital: https://www.cartacapital.com.br/blogs/augusto-diniz/album-reune-obra-inedita-do-mestre-manelim-com-toque-de-viola-na-sua-essencia/

O disco anterior de Manelim, chamado Urucuia (2006), também foi produzido por Paulo Freire.

Dessas experiências e outras pelo país afora em torno da viola e do Brasil profundo, Paulo Freire fez livros, registros fonográficos e apresentações.

O trabalho mais recente é o álbum A Mula, um grande causo musicado em que o autor narra, com toque da viola ao fundo, seu encontro com uma mula sem cabeça no interior do estado do Tocantins. A narrativa é inspirada na tradição oral.

O disco, que tem a participação especial do percussionista Adriano Busko, foi dividido em seis capítulos ou faixas, para contar toda a história.

“Uma coisa que fiz bastante foi lidar com a tradição oral. Então, me inspiro muito no que as pessoas me contaram, me mostraram”, explica. “Mas nesse caso de A Mula, desse grande causo musicado, trabalho com a imaginação. É um trabalho para estimular a imaginação das pessoas”.

“Uma coisa que eu comecei a fazer a um tempo atrás são alguns pequenos causos curtos em cima de música. Então, eu musicava (os causos) no máximo em quatro minutos. A diferença agora é que estou encompridando a história, com mais recursos”, justifica o fato de cada capítulo do álbum ter 15 minutos.

“A cena violeira no Brasil é muito efervescente. A viola consegue ir para muitos assuntos”, afirma. “Ela se mistura a várias linguagens. Acho importante quando ela se mistura a outras linguagens, mas tem que tocar a viola como viola, com sua afinação, com os ponteados, com a técnica dela, para enriquecer o encontro com outros instrumentos”.

Paulo Freire realiza o show de lançamento do álbum A Mula no dia 30 de junho, às 11h, na Casa Museu Ema Klabin, na capital paulista, com entrada franca.


 

Assista à entrevista do violeiro Paulo Freire a CartaCapital:

 

?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> src="https://i.ytimg.com/vi/CWowahNxUdU/hqdefault.jpg" layout="fill" object-fit="cover" alt="OS CAUSOS MUSICADOS DO VIOLEIRO PAULO FREIRE | Entrevista">

Leia também

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

0 comentário

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

 

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.