Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)

Transformações exigem política externa ativa: a nova Rota da Seda

Como a China, Brasil precisa apostar de forma ativa em diversificação. Longe de ser estratégia de marketing, são novos tempos que merecem atenção

Nova Rota da Seda representa o ambicioso projeto de infraestrutura do atual presidente Xi Jinping
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Por Valéria Lopes Ribeiro e Giorgio Romano Schutte

Recentemente, Beijing sediou o 1º Fórum da Nova Rota da Seda, com a participação de líderes nacionais de cerca de trinta países e dezenas de representantes de outros. Estavam presentes os presidentes da Argentina e do Chile.

A iniciativa de Pequim prevê a promoção de uma extensa rede de infraestrutura, comércio e cooperação econômica ao longo dos mais de sessenta países que compõem o extenso trajeto que engloba Europa, Ásia e África. O governo chinês insiste em afirmar que esse esforço não será feito em detrimento dos crescentes laços com América do Sul.

A política externa ativa e altiva que marcou os governos Lula e Dilma baseou-se, entre outras coisas, na compreensão de que o mundo está passando por profundas transformações. E uma destas é a formação de uma multipolaridade num contexto de transferência do eixo dinâmico da economia mundial do Atlântico para o Pacífico.

Para o Brasil isso deveria implicar em apostar na formação de um polo sul-americano para dialogar e participar dessa transformação. E, ao mesmo tempo, ampliar o leque de articulações políticas e econômicas internacionais para interagir com os demais polos de forma autônoma. Daí vinha todo o esforço para não só assistir ao crescimento dos laços comerciais com a China, mas também investir em uma aproximação mais ampla.

O papel do Brasil na construção do BRICS é exemplo disso. Ou quando o Brasil, no governo Dilma, tornou-se um dos primeiros membros do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB). Não se tratava de diminuir ou afastar o país das suas relações com as potências tradicionais, em particular os EUA, mas de diversificar e ampliar essas relações.

A nova iniciativa da China é mais um exemplo de como o Brasil precisa novamente apostar de forma ativa em uma política de diversificação. Longe de ser uma estratégia de marketing, trata-se de sinais dos novos tempos que merecem toda a atenção dos diversos setores da sociedade brasileira e, sobretudo, da política externa.

Desafio da China

Com uma trajetória de expansão econômica que já dura mais de trinta anos a China se consolida hoje como uma grande economia. Mesmo apresentando contradições típicas das economias em desenvolvimento, como a desigualdade de renda, o país ocupa posição central no cenário global principalmente no que se refere à participação no comércio mundial.

Uma das marcas desta expansão foi certamente, e continua sendo, o padrão de acumulação fortemente centrado no Estado e nos investimentos públicos, que remete ao período socialista.

Mais recentemente, após um ciclo de crescimento baseado em amplos investimentos em infraestrutura e indústria pesada, o país entra em um novo ciclo. A prioridade se volta para o crescimento da demanda interna e esforços para aumentar a competência tecnológica do seu parque industrial e exportação de capitais de forma estratégica.

É dentro deste contexto de transformações internas e desafios globais que se insere a estratégia da Nova Rota da Seda, conhecida como One Belt, one Road (OBOR), que representa um ambicioso projeto de infraestrutura anunciado em 2013 pelo atual presidente Xi Jinping e que envolve mais de sessenta países, entre eles asiáticos, europeus e africanos.

O projeto tem como base a ampliação de canais de infraestrutura terrestres (Silk Road Economic Belt) e marítimos (21 Century Maritime Silk Road) que percorrerão um amplo espaço territorial entre Ásia, África e Europa.

China.jpg China recebeu líderes e representantes do mundo todo para discutir novas formas de estabelecer o comércio internacional (Tiberio Barchielli/Fotos Públicas)

Tudo será financiado por um fundo criado em 2014 especificamente para a estratégia, com investimentos dos principais bancos estatais, em particular o State Administration of  Foreign Exchange, o China Investment Corporations, o EximBank e o China Development Bank. O fundo já tem um capital de 40 bilhões de dólares para ser utilizado e, segundo algumas fontes, o governo chinês estaria comprometido com financiamentos que podem chegar a 1 trilhão de dólares na próxima década.

A estratégia OBOR representa, segundo o discurso do governo, objetivos de promoção da cooperação regional, fortalecimento das trocas comerciais e aumento da prosperidade econômica de todos os países ao longo da rota. Além disso, insere-se no apelo recente de Xi Jingping ao fortalecimento de um mundo multipolar e de ampliação da globalização econômica com cooperação regional e integração dos mercados.

Mas para além do discurso oficial o projeto insere-se dentro de um quadro maior dos objetivos geopolíticos e também econômicos da China. Em termos geopolíticos o projeto representa uma postura de política externa mais assertiva da China com Xi Jinping e a estratégia de fortalecer sua posição com relação aos países vizinhos e em regiões estratégicas na Ásia Central e África e ampliar seus espaços de influência.

Um dos corredores previstos, por exemplo, ligará por meio de estradas e ferrovias a cidade de Kashgar em Xijiang ao Porto de Gwadar, no Paquistão. A proximidade do Porto com o Golfo Pérsico seria utilizada pelos chineses como terminal de petróleo e combustíveis líquidos, evitando a necessidade de atravessar o estreito de Malaca, no Sudeste asiático. Além disso, a região se apresenta como zona militar para o Exército chinês, de acomodação de submarinos e porta aviões.

Com relação aos objetivos econômicos, o projeto insere-se principalmente na estratégia de modernização da indústria chinesa. Isso porque a expansão da infraestrutura e investimentos permitiria a possibilidade não só de escoamento de produtos com maior valor agregado, mas também de transferência de parcelas da produção chinesa para outras regiões, levando a que as empresas dentro da China busquem a inovação e modernização.

Além disso, a expansão da infraestrutura pelo interior do país, prevista pelo OBOR, é pensada também como uma saída para ampliar o desenvolvimento das províncias mais pobres e resolver o gap regional chinês. Províncias como Guansu ou Xinjiang, por exemplo, crescem em um ritmo bem inferior em relação às províncias costeiras e ambas serão contempladas com projetos do OBOR, no caso de Xinjiang a questão ainda se relaciona ao enfrentamento de movimentos separatistas islâmicos que atuam na região.

A estratégia OBOR, caso venha a se consolidar, mesmo que em parte, representa de fato uma integração de mercados muito ambiciosa e que pode levar a China a alcançar uma posição ainda mais forte no cenário global, principalmente em termos de modernização de sua economia. Impossível não considerar os impactos e desafios que isso representa para América do Sul, e, em particular o Brasil.

Para criar e aproveitar as oportunidades que serão criadas é preciso, acima de tudo, uma política externa ativa, diversificada e articulada com os demais países da América do Sul. Não se trata de optar por uma ou outra região, mas de entender que o Brasil, junto com seus vizinhos, é e deve ser ator global para interagir com os novos dinamismos em prol de seu desenvolvimento.

Valéria Lopes Ribeiro e Giorgio Romano Schutte são professores de Relações Internacionais da UFABC e membros do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)

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