Brasil Debate

As grandes obras e a ameaça à sobrevivência dos índios

Desde Cândido Rondon, os povos indígenas convivem com grandes projetos. Mas nunca o risco à sua existência foi tão grande

As ameaças aos índios vêm de todos os lados
Apoie Siga-nos no

[Este é o blog do Brasil Debate em CartaCapital. Aqui você acessa o site]

Não é de hoje que os povos indígenas convivem com a espoliação de seus modos de vida tradicionais, suas terras e sua organização sociocultural, decorrentes de ações da sociedade nos planos econômico, ideológico e cultural.

Em termos históricos, o processo de construção do que viria a ser mais tarde o Estado brasileiro transformou radicalmente os modos de vida dos povos indígenas que aqui habitavam, abalados pela escravidão, guerras, doenças (advindas do contato com o homem branco) e doutrinação religiosa.

Embora não tenham sido exterminados em sua totalidade e sejam alvos de instrumentos e políticas de salvaguarda dos seus direitos, os povos indígenas se encontram com sua reprodução física e cultural ameaçada pela ação da sociedade envolvente em diversos aspectos, como no caso das instalações e operações de empreendimentos em suas terras e territórios.

Leia também:
No Parlamento europeu, indígenas denunciam ataques do governo Temer

Vale ressaltar que a convivência dos povos indígenas com empreendimentos também não é recente. Um exemplo é o contato, sob o comando do Marechal Rondon, personalidade reconhecidamente importante para o indigenismo brasileiro, das Comissões de Construções das Linhas Telegráficas do fim século XIX e início do século XX, empreendimentos que visavam interligar o território nacional e garantir a proteção das fronteiras, como as de Cuiabá ao Araguaia (1890-1891), Mato Grosso (1900-1906) e Mato Grosso ao Amazonas (1907-1915).

Contudo, o panorama atual é muito mais crítico, considerando a quantidade de empreendimentos de diversas tipologias (estradas, dutos, aproveitamentos hidrelétricos, entre outros) projetados ou em fase de instalação e operação ao longo de todo o território nacional.

É importante ressaltar que o Estado atua no controle desses empreendimentos e atividades de potencial degradação do meio ambiente, pois este é considerado um bem de uso comum e de direito de todos (artigo 225 da Constituição Federal).

Para este fim, instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, por meio da Lei  6938/81, disciplinada por outras resoluções e normas. Aqui destacamos um de seus instrumentos de maior efetividade, a Avaliação de Impactos Ambientais, a qual é vinculada ao procedimento administrativo de Licenciamento Ambiental, realizado por órgãos ambientais competentes, constituintes do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

Participam do procedimento administrativo, ainda, órgãos e entidades públicas de cujas competências são acionadas no licenciamento ambiental, entre eles, a Fundação Nacional do Índio (Funai), autarquia indigenista oficial que tem, entre outras, a finalidade de proteger e promover os direitos dos povos indígenas (inciso I do artigo nº 02 do Decreto 9.010/2017) e uma ampla previsão legal que garante a sua atuação nesses processos, como a própria Constituição Federal (artigos 225 e 231), o Estatuto do Índio e os procedimentos administrativos constantes na Portaria Interministerial 060, entre outros.

A experiência no componente indígena dos processos de licenciamento ambiental demonstrou que a instalação e operação de empreendimentos geram diversos impactos negativos de ordens material e imaterial para os povos, e poucos benéficos.

Embora os impactos estejam organicamente ligados à tipologia dos empreendimentos, normalmente alteram aspectos sociais, econômicos e culturais, físicos e bióticos, potencializando os danos a esses povos, como o causado ao Rio Xingu, que teve vazão reduzida devido à operação de Belo Monte, comprometendo a navegabilidade, afetando as comunidades indígenas da Volta Grande do Xingu, que estabelecem uma relação diferenciada com o meio e muitas vezes dele dependem para a sua existência.

Impactos comumente observados, em empreendimentos das mais variadas tipologias, para os povos e terras indígenas incluem:

1) Pressão sobre os serviços de saúde decorrente do seu uso pelos trabalhadores das obras:

2) exclusão do processo decisório:

3) pressão sobre a terra indígena;

4) aumento do acesso à terra indígena;

5) insegurança e medo em relação ao empreendimento;

6) alteração da dinâmica do rio;

7) alteração da qualidade da água, do ar e do solo;

8) afugentamento de fauna; e perda de espécimes de fauna e flora.

Contudo, esses são apenas alguns exemplos de impactos sobre os meios humano, físico e biótico, considerando que o seu quadro é muito mais extenso, principalmente nos casos dos empreendimentos de grande magnitude.

Embora os impactos de uma atividade ou empreendimento, como os acima exemplificados, causem sérios danos aos meios aos quais estão inseridos, quando qualificados com propriedades cumulativas e sinérgicas, associados aos impactos de outros empreendimentos, as suas consequências podem ser devastadoras e irreversíveis.  

Um exemplo do que acima foi afirmado são os aproveitamentos hidrelétricos na Bacia do rio Juruena no Mato Grosso, que modificaram a dinâmica dos rios e, por consequência, a ictiofauna (peixes) regional, impactando, irreversivelmente, os modos de vida tradicionais dos Enawene Nawe, que têm no peixe a base de seus rituais e da sua dieta alimentar.

Com o impedimento das atividades de pesca, os empreendedores têm fornecido peixes de açudes às comunidades (Instituto Socioambiental, 2008), fato que representa uma ameaça à própria sobrevivência desse grupo.

Cenários como esse se alastram por todo o País e acendem o alerta para a discussão sobre o tema, que embora complexo e multifacetado, é necessário, se quisermos pensar em um projeto de nação que verdadeiramente compatibilize o desenvolvimento econômico com a proteção ao meio ambiente e às populações aqui residentes.

Referências

RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

SENADO FEDERAL. Missão Rondon: apontamentos sobre os trabalhos realizados pela Comissão de Linhas Telegraphicas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas, sob a direção do coronel de engenharia Cândido Mariano Rondon, de 1907 a 1915. (publicados em artigos no Jornal do Comércio em 1915) Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1916. Reeditado pelo Senado Federal. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/1077>. Acesso em: 01 out. 2017.

INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. STF pode aprovar complexo hidrelétrico do Juruena sem consulta aos povos indígenas afetados. Disponível em: <https://site-antigo.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2733>. Acesso em: 13 de out. 2017.

REDE JURUENA VIVO. Mapa Hidrelétricas e Mineração na Bacia do Juruena: Áreas Atingidas. Disponível em:  < https://redejuruenavivo.com/galeria-de-fotos/mapas/>.  Acesso em: 13 de out. 2017.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.