Brasil Debate

O PT e as alianças

Jornalistas e comentaristas políticos erram ao dizer que a estratégia de manter a candidatura Lula é equivocada e divide a esquerda

Por que abrir mão tão cedo de Lula, líder nas pesquisas?
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Começaram de fato as eleições 2018. Embora a campanha ainda não esteja nas ruas, as articulações dos chamados pré-candidatos é muito intensa nos bastidores e representa uma jogada estratégica fundamental para que se defina posições de campanha, apoio regional, base eleitoral e tempo de tevê.

Fechar acordos, parcerias e alianças é decisivo para os partidos neste momento e é interessante observar como jornalistas e comentaristas políticos trabalham com informações superficiais e pouco conhecimento da área, quando não recebem a incumbência ou mesmo propina para plantar desinformação. O Brasil é um país muito grande e com 35 partidos. A fragmentação territorial se soma ao quadro político local que na maior parte dos casos não conversa com o quadro nacional.

A primeira e principal desinformação deste momento é dissuadir o PT de insistir com Lula. Para isso, chovem personagens incumbidos de plantar a notícia de que a estratégia do PT é equivocada e coloca tudo a perder para a esquerda e centro-esquerda.

Informação essa que só interessa ao campo da direita (não se inclui nesse campo Ciro Gomes, com o devido risco, cuidado e com polêmica – que pode ou não ser de esquerda para as interpretações em geral, mas está longe ainda de ser do mesmo saco que o campo PSDB-MDB).

A segunda informação equivocada ou desinformação é que o PT divide a centro-esquerda ou as esquerdas com sua decisão sobre Lula. Sequer é verificável que a esquerda esteja dividida.

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Começamos no sentido inverso dos argumentos: esquerda dividida é um fato? Não é verificável por um critério minimamente razoável. Ter três ou quatro candidatos à presidência não faz a esquerda dividida. Guilherme Boulos (pré-candidato do PSOL a presidência) e Manuela D´Avila (pré-candidata do PC do B) estavam com Lula nos dias que antecederam sua prisão em São Bernardo. Nunca estiveram tão próximos.

Veja o que fazem hoje as cinco fundações dos partidos de centro-esquerda e esquerda (PT, PSB, PC do B, PSOL e PDT): lançaram um manifesto por uma frente parlamentar comprometida com a soberania nacional e bandeiras progressistas. Isso é significativo, porque é compromisso programático.

Ter um candidato próprio não necessariamente significa dividir o campo. PC do B e PSOL têm estratégias próprias nessas eleições. Isso não é desunião. Respeitar essa decisão é fundamental inclusive para a sobrevivência desses partidos que depois de 2022 vão enfrentar gargalos em relação às cláusulas de barreira.

Além disso, Boulos e Manuela dão entrevistas e falam de golpe e dos riscos à democracia. Isso representa mais gente com espaço do campo da esquerda na grande mídia. Porque esses espaços são cercados pelo pensamento neoliberal golpista de sempre e os intelectuais e políticos da esquerda encontram pouco ou nenhum espaço nos grandes meios em períodos fora da eleição.

A estratégia do PSB é difícil de organizar porque a cadeira herdada de governador de São Paulo faz com que a questão presidencial neutralize o partido. E Ciro Gomes, que é um candidato relativamente competitivo, mas que não tem condições de unificar a esquerda, ainda insiste em confrontar Lula e acenar para a direita.

Dos pré-candidatos à presidência tidos como do campo da esquerda ou pelo menos progressista, Ciro foi o único que não fez a defesa de Lula de forma clara. Pior, foi o que mais fez gestos à direita golpista. Como ele quer a simpatia do PT ou de setores críticos ao seu perfil dentro do partido?

Ciro não só viu vantagem como ajuda a disseminar a ideia de que Lula não deve ser candidato e deve logo indicar um substituto ou apontar um plano B. Esse movimento só interessa à direita. Nada no PT justifica isso.

Primeiro porque é desonesto dizer que isso fragmenta ou divide a unificação da esquerda. Segundo porque qualquer indicação não faria com que necessariamente o candidato seja a voz das esquerdas. E, finalmente, terceiro: assim como o PT não pode exigir que os outros partidos sigam sua estratégia, os outros partidos e organizações não têm o direito de reivindicar que a legenda cumpra qualquer estratégia que não seja a sua própria.

Por mais que isso seja óbvio, precisa ser dito. O PT é um partido autônomo e tem o direito de definir estratégia própria e não pode ser responsabilizado por qualquer fragmentação que já é fato e natural do pluripartidarismo.

O argumento mais pernicioso é, porém, o supostamente pragmático: Lula estaria fora da disputa política depois dos julgamentos e, portanto, deve indicar outro nome. Tão pernicioso que recorre a uma razoabilidade para discursar. Já que está fora, seria razoável abrir mão. Mas o pressuposto é absolutamente contrário a tudo o que as esquerdas defendem. E mais: na medida em que um crítico ao projeto entreguista neoliberal se concretiza, qualquer ameaça real a isso se torna passível de ser julgado fora da política.

O golpe não é somente contra o PT, está claro que é contra um projeto de soberania nacional. Neste caso, razoável é acreditar que Lula está preso porque representa uma ameaça real ao projeto neoliberal e, portanto, estarão fora da disputa real todos que tiverem condições de se eleger com essa proposta. Por muito menos o centrão esvaziou Ciro, que agora sente na pele que não tem condições de sequer dizer que vai rever a reforma trabalhista sem pagar o preço por isso.

Boccacio começa o Decameron dizendo que a gratidão é, das virtudes, a mais recomendável. O que torna a ingratidão um pecado desonrado. A ingratidão é a mãe das falsas justificativas. Embora o golpe seja recente e vivo na consciência da maioria e principalmente daqueles que acompanham a política, parece que deixa de ser um elemento de análise no cenário eleitoral.

Fala-se e julga-se a estratégia do PT com o ar de normalidade de uma república democrática plena. Mas ao observar que o golpe recai sobre aqueles que tiveram a grandeza de dividir e procurar a justiça é preciso considerar que as eleições podem se tornar mais um elemento do golpe.

O PT definiu sua estratégia. E a desobediência do status quo representa um dos maiores confrontos impostos à sua história. Quem não repensar as eleições sob esse prisma vai errar. Obviamente que todos tentarão trazer o partido à zona de conforto do golpe.

O fato é que o PT tem direito legal de registrar a candidatura de Lula – sob a condição de réu em trânsito. Tem direito a fazer campanha por Lula. Tem direito a usar o tempo de tevê com Lula. Qualquer juiz que diga o contrário entrará para a história como engrenagem do autoritarismo que assola a democracia do País.

Que o judiciário demonstra tendências a reforçar as decisões arbitrárias e antidemocráticas é visível, o que não é razoável é assumir que ganharam e fazer o jogo dos golpistas.

* Luís Fernando Vitagliano é cientista político e professor universitário

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