Brasil Debate

Um país social-desenvolvimentista, parte I

É preciso priorizar o crescimento da renda e sua melhor distribuição. O grande trunfo brasileiro está na mobilidade social e no mercado interno

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Uma abordagem histórico-estruturalista mantém-se como base para a interpretação do Brasil por parte dos economistas social-desenvolvimentistas. Tem como suporte a ideia de sequências reativas. Adequa-se aos elementos centrais do conceito de dependência da trajetória. Eventos iniciais contingentes têm um impacto causal fundamental sobre o resultado final, ainda que não por meio do mecanismo de retornos crescentes, mas sim por meio da cadeia causal por eles desencadeada.

Além disso, as conexões causais entre os eventos constrangem os atores para que permaneçam na mesma trajetória de acordo com a ideia de lock-in. Sistemas de trajetórias dependentes se tornam assim bloqueados [locked in], entre os quais as seleções de eventos contingentes que poderiam ocorrer, para seguir atratores que seriam idealizados como ótimos.

A teoria do desenvolvimento, a “tentativa de explicação das transformações dos conjuntos econômicos complexos”, como dizia Celso Furtado, avançou quando teve uma percepção mais lúcida da história econômica. Esta revelava a significação dos fatores não econômicos no funcionamento e na transformação dos sistemas econômicos, bem como a importância do grau de informação dos agentes responsáveis pelas decisões econômicas.

Na medida em que existe um sistema de valores, aceito ou imposto, em toda a ordenação econômica, verifica-se a influência de fator não-econômico na cadeia de decisões que levam à transformação dos conjuntos econômicos complexos.

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“O crescimento econômico pode ocorrer espontaneamente pela interação das forças de mercado, mas o desenvolvimento social é fruto de uma ação política deliberada. Se as forças sociais dominantes são incapazes de promover essa política, o desenvolvimento se inviabiliza”, também afirma Furtado. O atual atraso econômico e político é bastante explicado pela decadência da classe política brasileira.

O fator não-econômico traduz justamente a capacidade do homem para criar a história e inovar. Essa ampliação do campo de possibilidades, inovação dentro de uma dependência de trajetória, corresponde não apenas à ação de um indivíduo eleito, mas às maiores exigências de ação coletiva organizada, ou seja, de política.

Adam Ferguson, em 1793, disse: “O que acontece na história é o resultado da ação humana, mas não a execução de algum plano humano”. A convicção de que é necessário “tomar as rédeas da história” e reorientá-la de acordo com as “soluções que atendem objetivos superiores”, seja pelo credo neoliberal, seja pela fé novo-desenvolvimentista, é uma atitude que se caracteriza pela incapacidade de “entender o futuro como história”. Em resumo, como resultante de uma pluralidade de ações, limitadas, no entanto, pela dependência de trajetória. A cadeia lógica das transformações econômicas se prolonga em direção ao futuro. O presente deve ser entendido como história e o futuro idem.

Todas as opções e decisões que impliquem mudança de rota histórica, que procurem novos caminhos para a história, só ganham existência real na medida em que são formuladas e socialmente reconhecidas como próprias de um “sujeito” (grupo oligárquico-dinástico, casta ocupacional, ou classe social) que tenha inserção no sistema, força política, influência na opinião pública etc. Em um regime democrático, ele tem de ser eleito e criar uma base de apoio congressual para conseguir governar.

O momento em que se colocam essas opções também é chave. A resistência à introdução de mudanças é mais tênue nas encruzilhadas históricas. Estas são atingidas somente quando a evolução histórica cruza os problemas sociais com os problemas econômicos. Infelizmente, os problemas de mal-estar e desigualdade social não têm impedido o funcionamento e a expansão do sistema capitalista.

“Só completaram o difícil trajeto que vai do papel à realidade aqueles programas e proposições sugeridos pelas próprias dificuldades encontradas pelo sistema econômico em evolução”, alertava meu professor Antônio Barros de Castro. Era um alerta contra os elaboradores de projetos para o Brasil descolados da história. A ideia de dependência de trajetória se resume ao lembrar que “a história importa”. Os intelectuais “demiurgos” fazem uma análise pessimista do passado ao presente do País e otimista do presente ao futuro, quando têm esperança que seu credo imperará sobre tudo e todos.

O que é o país para os social-desenvolvimentistas? Comecemos por analisar sua histórica inserção internacional. Em termos de renda per capita por paridade de poder de compra, em 2016, ficou em 107lugar, com 15,2 mil dólares. Desde 1900, a brasileira cresceu mais de 21 vezes, enquanto a norte-americana cresceu 14 vezes, mas aquela representava apenas 26,5% dessa da maior potência econômica no ano passado. Melhorou a posição relativa em relação à maior potência em 1900, a Inglaterra, quando a renda per capita brasileira era apenas 15,3% da inglesa. Graças ao Estado desenvolvimentista, até 1980, quando passou a sofrer um gradual desmanche, a economia brasileira foi aquela que mais cresceu no mundo. Depois de “duas décadas perdidas” na era neoliberal (1988-2002), terminou o século XX com o terceiro crescimento médio anual, abaixo de Taiwan e Coreia do Sul.

A vasta maioria da população brasileira de 208,3 milhões de habitantes mora ao longo, ou relativamente perto, da costa Atlântica ao leste do País. Cerca de 87 milhões de brasileiros (42% do total) moram no Sudeste. Destes, 45 milhões no estado de São Paulo e 21,5 milhões na região metropolitana de São Paulo. A população urbana representa 86,2% do total. Esse grau de urbanização fica somente abaixo daquela do Japão (94,3%), entre as grandes populações. Tóquio é a maior aglomeração urbana do mundo, com 38,2 milhões habitantes.

Sem entender esse fenômeno da urbanização não se compreenderá a estrutura produtiva da economia brasileira. A abordagem estruturalista dos social-desenvolvimentistas não se restringe a um único fator de produção, dado pela capacitação tecnológica, e à política econômica de curto prazo, focada especialmente em política cambial, colocando como objetivo estratégico competir internacionalmente no mercado externo.

Levamos em consideração também os demais fatores de produção (população/trabalho, empreendimento/capital, recursos naturais/território) como essenciais ou estratégicos para o desenvolvimento, colocando foco maior no mercado interno. Senão, analisemos os seguintes dados.

A economia brasileira se situava, em 2016, em sétimo lugar no ranking dos maiores PIBs, considerando a paridade de poder de compra e desconsiderando a União Europeia em segundo lugar. Em termos de posicionamento relativo, não estava longe do quinto lugar, tanto em população, quanto em território, desconsiderando a União Europeia no ranking de populações e a Antarctica no ranking de território.

Na comparação de renda per capita por paridade de poder de compra, entre os países selecionados, com 15,2 mil dólares, situava-se em 107o lugar, acima apenas da Índia, e abaixo dos dois latino-americanos destacados: Argentina e México.

Em síntese, para tirar esse atraso geoeconômico, é necessário dar prioridade em maior ritmo do crescimento da renda e sua melhor distribuição. O grande trunfo brasileiro estará na mobilidade social, que ampliará seu mercado interno, cujo potencial é ser o quinto maior em número de consumidores. Com isso, atrairá maiores investimentos diretos estrangeiros, para gerar mais empregos, em um processo retro alimentador positivo. Necessita entrar em um ciclo virtuoso.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007).

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