Conjunturando

A Regra Lula

A criação de uma “Regra Lula” mostra que o Supremo Tribunal Federal deu sua contribuição para a quebra das regras do jogo democrático no Brasil.

"Regra Lula" impõe tratamento discriminatório ao ex-presidente e representa violação das regras do jogo democrático
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Pela segunda vez em dois anos, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão que limita de modo arbitrário os direitos do ex-presidente Lula. Em ambas as situações, a interpretação da Constituição e das leis feita pelo STF gerou um tratamento discriminatório a Lula, uma vez que é improvável que os fundamentos dessas decisões venham a ser aplicados a casos similares.  

Em março de 2016, o ministro Gilmar Mendes deferiu a liminar no Mandado de Segurança nº 34.071, de autoria do PSDB, para suspender a nomeação de Lula para o cargo de ministro da Casa Civil, sob o argumento de que essa nomeação teria como objetivo obstaculizar as investigações contra ele ao transferi-las para o STF, constituindo um desvio de finalidade. Para tomar essa decisão sem precedentes, o ministro usou uma escuta telefônica feita e divulgada ilegalmente, e quando Lula nem mesmo era réu em nenhum processo.

A arbitrariedade dessa decisão torna-se ainda mais manifesta quando analisamos o caso similar do Mandado de Segurança nº 34.609, apresentado pela Rede Sustentabilidade, com base no mesmo argumento, contra a nomeação de Moreira Franco para o cargo de Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República.

Nesse caso, o pedido de liminar foi negado em fevereiro de 2017 pelo ministro Celso de Mello, que colocou a questão em seus devidos termos ao afirmar que a nomeação de alguém para o cargo de Ministro de Estado “não importa em obstrução e, muito menos, em paralisação dos atos de investigação criminal ou de persecução penal”. 

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Em abril de 2018, o STF julgou o Habeas Corpus nº 152.752 apresentado por Lula contra a execução, antes de seu trânsito em julgado, da pena cominada pelo TRF-4. Como todos puderam ver na sessão do STF em 21/3, este HC foi pautado pela Presidente do STF, Min. Cármen Lúcia, para impedir a questão de ordem que seria proposta pelo ministro Marco Aurélio em prol do julgamento do mérito das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs 43 e 44. 

O objetivo dessa “estratégia” era dificultar uma decisão favorável do STF à presunção de inocência, pedida naquelas ADCs, o que realmente se verificou quando a ministra Rosa Weber negou o HC, contrariando sua posição pessoal. O voto da Ministra baseou-se no argumento de que, em um processo subjetivo, ela deveria respeitar o precedente do Plenário do STF sobre a matéria, embora o relator do processo, ministro Edson Fachin, houvesse justificado levar a decisão do HC ao Plenário por causa da divergência entre a 1ª e a 2ª Turmas do STF.

Ocorre que esse julgamento não trará nenhuma mudança no quadro atual do STF: tal como declararam na sessão, vários Ministros continuarão tomando decisões contra a execução da pena antes de seu trânsito em julgado. Assim, até o STF julgar as ADCs e confirmar-se a nova maioria em favor da presunção de inocência, Lula será o único prejudicado por uma decisão falsamente baseada na vontade do colegiado. 

Não sabemos como a sociedade cobrará a responsabilidade do STF por essas decisões, mas a criação de uma “Regra Lula” mostra que o Tribunal deu sua contribuição para a quebra das regras do jogo democrático no Brasil.

*Antonio Maués é Professor Titular do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo.

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