Daniel Camargos

Daniel Camargos é repórter há 20 anos e cobre conflitos no campo, especialmente na Amazônia, para a Repórter Brasil. É fellow do programa Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center

O recado de Beto Marubo para a elite intelectual dos EUA

Na Universidade de Yale, o líder indígena fez um apelo para preservar a floresta amazônica durante evento que marcou dois anos do assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips

Beto Marubo é um dos nomes à frente da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Foto: Mark Conrad / Yale MacMilan Center / Divulgação)

Apoie Siga-nos no

Há dois anos, o jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram brutalmente assassinados. Durante as buscas pelos dois, emergiu com força do Vale do Javari, uma região amazônica na tríplice fronteira entre Peru e Colômbia, a voz de Beto Marubo.

Beto Marubo é um dos nomes à frente da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, a Univaja. Ele foi um de uma centena de indígenas, de cinco povos diferentes, empenhados nas buscas para encontrar Dom e Bruno. Assumiu um papel fundamental diante da letargia do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

De poucas palavras e com o olhar duro, Beto fica visivelmente abalado ao falar sobre Bruno, com quem conviveu e trabalhou por 12 anos. Além da dor, ele expressa raiva quando relembra o assassinato do amigo, executado junto com o jornalista inglês por pescadores que invadiam sistematicamente a Terra Indígena Vale do Javari – região com a maior concentração de povos isolados em todo o planeta.

No mês passado, estive com Beto em uma conferência sobre crise das mudanças climáticas e justiça ambiental na Universidade de Yale, nos EUA.

“Sejam mais como Dom e como Bruno. Sejam atuantes. Não fiquem só nessa coisa de livros e teses de vocês. Não funciona”, disse Marubo a uma plateia majoritariamente branca em Yale. Suas palavras soaram como um pedido desesperado de ajuda. “Se continuarmos dessa forma o futuro vai ser horrível.”

Beto reforçou o discurso de seu parente, Olímpio Guajajara, que dividia a mesa com ele. Minutos antes, Olímpio havia contado sobre o trabalho dos Guardiões da Floresta, grupo de indígenas do povo Guajajara, no Maranhão, que defende a Terra Indígena Araribóia da invasão de madeireiros.


Os Guajajara usam os próprios corpos e estratégias para a tarefa, mas pagam um preço altíssimo. Em menos de 20 anos, foram 48 assassinatos, segundo o Conselho Indigenista Missionário, o Cimi.  “Estamos fazendo trabalho voluntário para toda a humanidade, e continuaremos a fazer. Não há outro caminho a seguir”, disse Olímpio. 

Para Olímpio, as terras indígenas têm florestas que podem salvar o planeta. “É por isso que estamos lutando por aquele território. Não é apenas uma parte de mim ou do meu povo; também é parte de toda a humanidade. Porque sem a floresta, não seremos capazes de existir. Não haverá chuva”.

Os povos do Vale do Javari adotaram a mesma estratégia de autodefesa dos Guajajara, incentivados e treinados por Bruno Pereira, conforme contou Beto. 

O líder indígena reforçou o pedido à plateia de Yale para que sejam atuantes. “Ouvi dizer que esta universidade tem as melhores mentes para o futuro. Não quero que vocês sejam apenas isso. Quero que estejam comigo como Bruno e Dom”.

Trabalhei com Dom em viagens pela Amazônia, onde investigamos juntos quem eram os responsáveis por queimadas e também empresas que burlavam a lei para engordar bois em áreas proibidas. Quando soube que ele estava desaparecido, enviei uma mensagem: “Dom!!! Dá notícia”.

Mesmo sem responder, Dom continua dando notícia. Seu trabalho não parou. No ano passado, quando completou um ano de sua morte, mais de 50 jornalistas de 10 países uniram esforços para continuar as investigações dele em um consórcio liderado pelo Forbidden Stories, que publicou diversas reportagens. 

Na Repórter Brasil, fizemos o documentário Relatos de um correspondente da guerra na Amazônia, que homenageia o trabalho dele e terá sua estréia internacional na quarta-feira 5 em Londres e na quinta 6) em Paris.

Atualmente, um grupo de jornalistas está concluindo o trabalho que Dom apurava, quando foi assassinado ao lado de Bruno. O livro How to Save the Amazon: Ask the People Who Know (Como Salvar a Amazônia: Pergunte às Pessoas que Sabem, em tradução livre).

Além disso, a companheira de Dom, Alessandra Sampaio, está à frente do recém-criado Instituto Dom Phillips: “Nascemos de uma violência que não foi a primeira e nem será a última. Honrar o legado de Dom é reconhecer a dor e ir além dela, entendendo que a sua relação com a Amazônia não se resume ao seu assassinato”.

Leia também

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

0 comentário

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.