Diálogos da Fé

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A infame tentativa de assimilação do feminismo pela direita

Não é possível se declarar feminista e apoiar Jair Bolsonaro

Feministas pró-Bolsonaro: dá para levar a sério?
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O feminismo é um movimento, a exemplo de qualquer outro, variado em suas perspectivas teóricas e políticas, assim como em suas práticas de luta. Mas existem algumas posturas e defesas que simplesmente são incompatíveis com a causa feminista. Ser pró-Bolsonaro é definitivamente uma delas.

O deputado e candidato a presidenciável é o emblema vivo de tudo que combatemos enquanto feministas: misoginia, LGBTfobia, racismo.

Embora se apresente como “protetor” das mulheres por defender punições severas aos estupradores, ele próprio é um promotor da violência simbólica de gênero que justamente está na raiz de todos os demais tipos de violência. Chegou a ser condenado por fazer apologia ao estupro, condenação que a terceira turma do STF manteve por unanimidade  recentemente.

Para as mulheres que acreditam que o único caminho para o fim da violência sexual seja a punição, vale lembrar que a violência não é apenas um ato voluntário individual. A violência de gênero é estrutural, assim como o racismo. Atribuir exclusivamente ao agressor as causas da violência e à sua punição a solução, é o mesmo que apostar em um band-aid para tratar de uma fratura exposta.

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Por isso, enquanto feministas, insistimos em políticas de prevenção e equidade e na importância de uma educação que promova a mudança cultural necessária para eliminar de fato a violência. Ao mesmo tempo em que lutamos por uma mudança estrutural no sistema de produção e repartição das riquezas, no modo de fazer política etc.

A nossa luta não é apenas contra o machismo manifesto em atitudes individuais, mas, e principalmente, contra o sistema que o promove, o patriarcado. Também não é possível ver o machismo isolado de outros sistemas estruturantes, o capitalismo e o racismo.

A pretensa defesa da mulher, na qual se refugiam as bolsonarianas para se dizerem feministas, não se sustenta mais do que um prego na areia. Não é preciso ser feminista para ser contra o assédio e a violência misógina, mas é preciso ser contra o patriarcado para ser feminista. E a figura de Bolsonaro está longe de significar isso.

O militarismo e a moral religiosa conservadora, defendidos orgulhosamente por ele, também são sustentáculos do sistema patriarcal. Além de desconsiderar por completo  as condições sociais, econômicas e culturais que promovem o machismo e a violência misógina, as defensoras de Bolsonaro também não levam em conta a dupla violência sofrida por mulheres durante a ditadura no Brasil, defendida de maneira entusiasmada por Bolsonaro.

Mulheres violentadas física e sexualmente de todas as formas nos porões da ditadura foram cruelmente desrespeitadas e agredidas em suas memórias quando o deputado, ao declarar seu voto favorável ao impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, homenageou um de seus torturadores, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Em relação à equidade de gênero, o desastre não é menor. Bolsonaro, em entrevista ao jornal Zero Hora, manifestou concordância com o fato de mulheres receberem menores salários ou nem serem contratadas pela possibilidade de engravidar e tirar a licença-maternidade.

Em suas palavras:“Eu sou liberal. Defendo a propriedade privada. Se você tem um comércio que emprega 30 pessoas, eu não posso obrigá-lo a empregar 15 mulheres. A mulher luta muito por direitos iguais, legal, tudo bem. Mas eu tenho pena do empresário no Brasil, porque é uma desgraça você ser patrão no nosso País, com tantos direitos trabalhistas. Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empresário pensa? ‘Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade…’. Bonito pra c…, pra c…! Quem que vai pagar a conta? O empregador. No final, ele abate no INSS, mas quebrou o ritmo de trabalho. Quando ela voltar, vai ter mais um mês de férias, ou seja, ela trabalhou cinco meses em um ano”.

Essa compaixão com o empresariado tem rendido a Bolsonaro uma certa simpatia do “mercado”, pois sua postura conservadora e repressiva no campo social e moral é absolutamente compatível com a política econômica neoliberal. A mesma política das antirreformas das leis trabalhistas e da Previdência tão prejudiciais às trabalhadoras.

De outra parte, a lista de incompatibilidades de ser pró-Bolsonaro e feminista não para por aqui. Mas era preciso pontuar algumas, pois, mais do que um escárnio, é uma tentativa grave de apropriação da direita de nosso campo semântico e existencial. Não podemos permitir.

Não bastasse todo o tipo de condenação moral e física que mulheres que ousaram se rebelar contra o sistema sofreram no decorrer da história, agora a direita tenta outras maneiras de nos destruir: nos descaracterizando. Quer usurpar o significado do nosso movimento, retirar o seu cerne subversivo contra a ordem e a moral opressoras para se tornar algo plástico, a ponto de caber a defesa da própria ordem. Não cabe. Somos feministas e por isso jamais apoiaremos Bolsonaro. 

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