Diálogos da Fé

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Maquiavel e Lula, diálogo possível

Reflexões a respeito do momento atual à luz de um clássico revela mais uma vez a verdade efetiva das coisas

Lula tem a aprender com o pensador italiano
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“Príncipe? Eu?”, diria Lula sorrindo.

“Para conhecer bem a natureza do povo, é necessário ser príncipe, para conhecer a natureza do príncipe, é necessário ser povo”, responderia prontamente Nicolau Maquiavel.

Como os conselhos políticos do livro “O Príncipe” poderiam ajudar o ex-presidente Lula? Depois de tantos séculos, essa obra ainda conseguiria explicar os acontecimentos mais recentes do cenário nacional? Seria Maquiavel um visionário ou é a história que insiste em se repetir? Vamos imaginar um encontro e tentar achar as respostas.

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Foram dois mandatos bem sucedidos como presidente da República, concluídos com uma aprovação extraordinária. A maior prova foi a eleição e a reeleição de sua sucessora. Mas forças contrárias logo se levantaram e o ódio instaurou no País um clima de polarização aparentemente indissolúvel.

A sucessora foi deposta e o presidente que bateu recordes de popularidade está preso. Os poderes da nação, como num reino medieval, mancomunaram-se. Arbitrariedades, injustiças, ilegalidades. Um povo dividido, um país sem rumo, um tempo de desesperança.

O desafio do governante não é ser o mais forte, e Lula por diversas vezes, nos oito anos de presidência, mostrou-se e percebeu-se frágil. Contudo, conseguiu manter não só o respeito dos governados como o domínio de situações bastante adversas. Soube atuar e impor a estabilidade das relações, sobretudo com as forças contrárias que acabaram por se submeter e não ousaram entrar num jogo de correlação.

No segundo mandato de sua sucessora, o jogo virou e comprometeu a manutenção da conquista. A República tem suas instituições e essas, a partir de um dado momento, deixaram de facilitar o domínio, subjugando o poder da presidenta, pondo em xeque o sucesso do “príncipe”.

Faltou sabedoria para agir de acordo com as circunstâncias? Certamente. E faltou lembrar que a arte de governar implica não apenas a conquista, mas, sobretudo, a preservação do poder.

Nosso “príncipe” ainda é amado por grande parte da população, aliás, pelo que demonstram as pesquisas pré-eleitorais, pela maioria, que se tiver a oportunidade deverá recoloca-lo no poder.

E se Lula voltar? Como vai administrar o ódio das elites, do empresariado, da burguesia? O que lhe diria o velho Maquiavel?

O ex-presidente talvez questionasse:

“Tudo bem, digamos que eu seja o ‘príncipe’, por que a situação chegou nesse ponto? Onde eu falhei?

“Os homens mudam de senhor com prazer, pois acreditam que melhorarão; tal crença fá-los tomar as armas contra o antigo, cometendo um erro, pois veem, depois, com a experiência, que pioraram.”

“E essas arbitrariedades? Me condenam sem provas, me prendem sem trânsito em julgado, passam por cima dos trâmites?”

Ora, “os homens ou são aliciados ou aniquilados, pois se vingam de pequenas ofensas, mas não das grandes (…) Nunca se deve deixar continuar uma desordem para fugir a uma guerra, pois não se foge, adia-se e fica-se em desvantagem”.

Então, perguntaria o ex-presidente:

“Eu errei? A situação da Dilma me prejudicou?”

Ao que Maquiavel certamente responderia:

“Quem é a causa de alguém tornar-se poderoso será derrubado; pois esse poder adveio dele, seja por engenho ou força, e os dois são malvistos por quem tornou-se poderoso.”

“Quando cheguei à presidência, fiz crer que a esperança tinha vencido o medo. Tantos milhões saíram da miséria, outros tantos ascenderam à classe média. O filho do pedreiro, da doméstica virou doutor. Todos tiveram acesso a bens de consumo. Viajaram de avião, compraram casa, carro. Fui generoso, por que esse ódio?”

Vossa excelência deveria saber que “aquele que queira professar o bem por toda parte é natural que se arruíne entre tantos que não são bons”. Depois, meu caro, “é mais sábio manter a fama de miserável, que traz infâmia sem ódio, do que, por querer ser conhecido como generoso, necessitar incorrer na fama de rapace, que traz infâmia com ódio”.

“Isso explica muita coisa… Mas por que meus adversários, que não fizeram tanto bem ao povo quanto eu e sobre os quais pesam graves acusações seguem ilesos”

É óbvio: “Os homens são tão simples e tão obedientes às necessidades presentes que quem engana sempre achará quem se deixe enganar”.

Quanto a teus inimigos, observa que “todos veem a tua aparência, poucos sentem o que tu és. Estes poucos não ousam se opor à opinião dos muitos que contam com a autoridade do Estado pronta a defende-los.”

Maquiavel perguntaria:“Tentaste fugir das coisas que te tornavam odioso e desprezível?”

“Creio que sim. Fui reeleito, fiz minha sucessora, alcancei uma popularidade nunca antes vista na história deste País.”

“Contra quem tem boa reputação, é difícil conspirar e é difícil que seja atacado, enquanto for considerado excelente e reverenciado pelos seus súditos”.

“Pois é, quem ousava falar mal de mim na campanha da Dilma?”

Só tem uma coisa: “Os príncipes devem deixar que outros administrem as decisões impopulares, mantendo para si os atos de graça”. E mais: “Um príncipe deve estimar os nobres, mas não fazer-se odiar pelo povo”.

“Mas no meu governo o povo tinha o que comer e os bancos nunca lucraram tanto…”

“Aqui deve-se notar que o ódio é conquistado seja com as boas obras como com as más. Mas querendo manter o Estado, muitas vezes, um príncipe é forçado a não ser bom.”

“Como assim?”

 “Quando o grupo, seja o povo, os soldados ou os nobres, que julgas precisar para te manter é corrupto, convém que te adaptes ao humor dele para satisfazê-lo. Nesse caso, as boas obras são prejudiciais.”

“Por isso a Dilma caiu.”

“Também, mas não somente. Ninguém te ofende ao te dizer a verdade, no entanto, quando todos se sentem no direito de te dizer a verdade é sinal de que não têm por ti nenhuma reverência. Um príncipe prudente deve eleger homens sábios para o seu governo e só a eles deve permitir que digam a verdade e só a respeito do que lhes perguntar e nada mais. Mas deve lhes perguntar sobre tudo, ouvir a opinião deles para depois deliberar sozinho, como achar certo.”

“Bom, ainda tem jeito?”

“Um príncipe, que não seja sábio por si mesmo, não pode ser bem aconselhado”. Perceba: as minorias divididas e dispersas não causarão danos. Se o contrário é verdadeiro, une teu povo e faça o que tem que ser feito. “Os homens são ingratos, volúveis e ávidos de lucro.” Que preferes, ser amado ou temido? Desde já te aviso: “é muito mais seguro ser temido do que amado”.

Pensativo, o presidente rebate:

“Pois te respondo, Maquiavel, com tuas próprias palavras: ‘As amizades que se conquistam com dinheiro e não com grandeza e nobreza de alma não são certas, não podem ser usadas. Os homens têm menos pudor em ofender alguém que se faça amar do que alguém que se faça temer’. Me ponho nos braços do povo, sem medo, porque o povo me ama, e por sua vontade soberana a justiça será feita.”

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