Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

O dever masculino de combater o machismo

Os homens cristãos precisamos falar para outros sobre violência contra as mulheres nas nossas comunidades de fé

Não se pode fechar os olhos
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– Donde provém a inferioridade moral da mulher em certos países?

– Do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem. É resultado das injustiças sociais e do abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o direito.

Livro dos Espíritos, Allan Kardec 

Cabisbaixa, postura encurvada, pouco asseada – parecia estar com a mesma roupa a alguns dias -, falando com dificuldades, apertando os dedos uns contra os outros e olhando profundamente para o horizonte, demonstrava estar constrangida, envergonhada e passando por sofrimento psicológico. Se desculpou mais de uma vez pela aparência e por estar “daquele jeito”.

Notei que algo não estava bem com ela, que sempre foi, até poucos meses, uma das mais animadas voluntárias do centro espírita. Cozinheira de mão cheia, preparava tortas que eram vendidas nas festividades beneficentes.

Comentei o fato, em casa, com minha mãe, que prometeu ficar mais atenta e investigar a situação. Como minha mãe era a responsável pelo grupo de famílias, tratou do tema no encontro seguinte: violência contra as mulheres. Batata. Após o encontro ela quis conversar reservadamente.

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Em princípio, seu companheiro quis entrar na sala, mas minha mãe, energicamente, o proibiu. Ela tentou intervir, dizendo que não teria problemas se ele participasse, o que foi negado pela minha mãe. Sabíamos que se ele descobrisse que ela estava desmascarando “aquele estimado confrade”, a represália seria muito maior

Toda casa espírita tem um atendimento fraterno, que consiste em um trabalho estruturado para receber quem necessita de apoio – acolhimento, amparo e esclarecimento – como um dos recursos para o enfrentamento de seus males. Deve ser feito com serenidade, ética, respeito, amorosidade, disciplina e preparação, com bom conhecimento doutrinário.

Na sala, sozinhas, ela começou a chorar. Relatou todas as violências sofridas e que deixaria estarrecido qualquer frequentador daquela comunidade de fé.

Como um homem, sempre tão cortes e disponível, teria coragem de, no ambiente doméstico, ser tão cruel com aquela que jurava amor?

Vagabunda, piranha, prostituta, vadia, eram alguns termos que ela, constrangida, teve coragem de relatar.

Foi orientada a buscar apoio no seu núcleo familiar, que havia sido proibida pelo companheiro de visitar, assim como apoio psicológico e jurídico. O grupo de mulheres da casa espírita se encarregou de acompanha-la nessas atividades. Arrumaram emprego para ela que, mais empoderada e amparada, optou pela separação.

Essa história é uma das várias que ouvimos nas casas espíritas e que felizmente, teve um final menos bárbaro, pois, no Brasil, 15 mulheres morrem, por dia, vítimas de violência doméstica. São 50,6 mil estupros por ano, 6 por hora. A cada quatro horas, uma mulher morre antes dos 30 anos.

A partir deste domingo 25, cidadãos ao redor do mundo se engajam na campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, promovida anualmente pela Organização das Nações Unidas e cujo tema, em 2018, é Pinte o Mundo de Laranja: #MeEscuteTambém.

O objetivo é alertar sobre a necessidades de ouvir e acreditar nas vítimas sobreviventes e, principalmente, colocar fim à cultura do silêncio que impede a ruptura do ciclo de atos violentos e abusivos.

Aqui no Brasil, a campanha ganhou terá cinco dias a mais, começando no Dia Nacional da Consciência Negra e se estende até o Dia Internacional dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro.

Assim como outros problemas sociais, as violências contra as mulheres deve ser debatido dentro dos centros espiritas. Mais do que isso, há de se fundar grupos de apoio para aquelas mulheres vítimas e que precisam de apoio para romper com esse ciclo cruel.

Não pode ser aceitável, nem mesmo relativizado, qualquer tipo de violência, tampouco aquelas que se utilizam de retórica religiosa com apelo a escrituras sagradas como justificativas para a opressão, exclusão e segregação.

Religiosos tem o dever moral, sagrado e ético de fazer cessar, quando de seu conhecimento, qualquer tipo de violência contra as mulheres, seja ela física, psicologia, simbólica ou sexual, além de desconstruir e desmitificar os ensinamentos de textos religiosos que possam ser interpretados como fomentadores de violência baseada no gênero.

Devemos olhar para o problema e denuncia-lo, nos juntando a outros tantos que saem às ruas por direitos, justiça e inclusão, colocando a vida das mulheres como prioridade absoluta.

Homens: é pela vida das mulheres.

Nenhum direito a menos.

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