Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

Os governantes religiosos recebem propina?

Alguns adequam propina à religião e ainda a julgam um ato de recompensa

Tayyip Erdogan, presidente da Turquia
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A melhor resposta a esta pergunta seria uma comparação entre o que Dilma Rousseff e o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, viveram.

Segundo o Islã, as pessoas que recebem, oferecem ou intermediam a propina são amaldiçoadas. A maldição no Islã significa a ausência da misericórdia de Deus. Por isso, a definição da propina é feita da seguinte maneira na religião: as pessoas que recebem, oferecem ou intermediam a propina são condenadas ao inferno.

Sendo a definição da religião sobre a propina tão clara, como pessoas religiosas cometem algum tipo de corrupção?

Os religiosos recebem propina adequando-a à religião. Por isso, não hesitam em fazê-lo e a julgam um ato de recompensa. No decorrer do tempo, se acostumam com a propina e sentem necessidade de institucionalizá-la. Depois, mantêm aqueles que não recebem os regalos, afastados dos setores financeiros. Aliás, fazem isso como um dever religioso, que é o pior ponto dessa prática.

Exatamente por tal razão, deve-se distinguir a diferença entre o fiel e o religioso. Vamos fazer uma distinção da seguinte maneira: os fiéis são aqueles que verdadeiramente creem e tentam viver conforme a sua crença. Os religiosos são aqueles que creem, mas não conseguem internalizar sua crença.

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Esses dois grupos se separam quando o interesse e a fé entram em conflito. Os fiéis se comportam conforme a sua crença e enfrentam a perda dos interesses, dos benefícios. Porém, os religiosos se baseiam naquilo que lhes importa e como base nisso interpretam a religião.

Com base nos indivíduos, tal distinção é fácil. Já em empresas e instituições públicas, onde há uma certa hierarquia, a situação fica mais complexa. E se o líder da instituição recebe a propina, os demais não têm como se manter longe. Quando o recebimento de propina pelo principal administrador é legitimado pelos religiosos, que ainda recebem uma parte dela, surge o caso do Recep Tayyip Erdogan: destruir a religião usando a religião.

Erdogan construiu um palácio de 1.200 quartos, e depois uma mesquita magnífica ao lado desse palácio. Às vezes, ouve-se a voz de Erdogan nas minaretes dessa mesquita, fazendo ele próprio a chamada para as orações da manhã. A mídia que o apoia (ou melhor, que é apoiada por ele), entra numa competição para divulgar isso. Assim como os partidários começam a disseminar a mensagem que o país tem um presidente religioso!

Erdogan também não entregou seus quatro ministros que haviam recebido propina à justiça e foi descoberto, por gravações telefônicas, que ele liderava um esquema de corrupção. De acordo com os áudios, ainda disponíveis no YouTube, Erdogan quis tirar o dinheiro de propina da sua casa, para não correr o risco de uma busca policial. Os recursos foram encaminhados para bancos e amigos confiáveis. Ainda assim, eles não puderam retirar toda a verba, sobravam 30 milhões de euros! Com esse montante, compraram cinco mansões, cada uma por cinco milhões de euros, e “zeraram” o dinheiro que estava na casa.

Além disso, liberaram Reza Zarrab, um iraniano que lhes oferecia altas propinas. Os jornalistas pró-Erdogan fizeram uma entrevista com Zarrab, colocando a bandeira turca atrás dele e apresentando-o como “o patriota que acabou com 15% do déficit orçamentário da Turquia”. Prenderam os policiais, os juízes e os promotores que o condenaram. Outros funcionários públicos, que eram fiéis, também foram afastados dos cargos ou presos para evitar que se tornassem empecilhos nos seus descaminhos de Erdogan. Hoje, na Turquia, mais de 5 mil juízes e promotores estão nas prisões. Há algum tempo o mesmo Erdogan chamava esses funcionários públicos fiéis de “irmãos”.

Reza Zarrab foi detido nos Estados Unidos, quando foi para passar férias com a família, por violar as sanções americanas sobre o Irã. Depois dele, o vice-diretor do banco estatal da Turquia (Halkbank), que era usado no esquema de corrupção, foi preso também durante uma viagem aos Estados Unidos. Zarrab fez um acordo com o governo americano e, atualmente, no tribunal de Nova Iorque, está delatando o esquema de corrupção que ele próprio instituiu para violar as sanções sobre o Irã. Ele afirmou que a quantia de propina paga apenas para um ministro turco foi de 50 milhões de euros. Aliás, ele contou também que Erdogan era o número um do esquema, e isso foi registrado no tribunal.

Enquanto Zarrab revela o esquema de corrupção que ele liderava, Erdogan está a caminho de ser o “Conquistador de Jerusalém”, ao tentar declarar a cidade de Jerusalém Oriental como capital da Palestina, convocando a organização para a Cooperação Islâmica a uma reunião em Istambul. Afinal, ele é o presidente “mais religioso” dos países islâmicos!

Aliás, por que Dilma Rousseff não pensou em ser tão esperta como Erdogan? Vão dizer que no Brasil há independência jurídica e a separação dos poderes. Pois é, essas coisas existiam também na Turquia.

 *Traduzido por Atilla Kus. Revisado por Mustafa Goktepe e Gabriel Ribeiro.

Aviso de férias:

Esta coluna voltará a ser publicada em 16 de janeiro de 2018.

 

 

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