Colunas e blogs

Sem cultivo caseiro, legalização da maconha fica limitada

Não reconhecer que o usuário possa cultivar a própria maconha é um desastre

Apoie Siga-nos no

Uma reunião da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), realizada na terça-feira 11, tinha tudo para ser lembrada como um importante marco da luta pela legalização da maconha. Infelizmente, o que aconteceu foi um golpe rasteiro que pode transformar uma planta em um insumo de manipulação restrito à indústria farmacêutica.

Nesta reunião da Anvisa foram apresentadas (e aprovadas de forma unânime) duas propostas, elaboradas pela equipe técnica da Agência. Elas tratam da autorização para o cultivo de maconha e a definição de normas para a venda de medicamentos feitos com a erva.

Ficou decidido que o cultivo da maconha só poderá ser feito por empresas, que deverão seguir rígidas normas da Anvisa e da Polícia Federal. As plantas vão crescer em uma espécie de bunker: a maconha só poderá ser cultivada em ambiente fechado, com acesso controlado por biometria, alarmes de proteção e janelas duplas. O cultivo caseiro para uso pessoal segue classificado como atividade criminosa.

A tragédia não termina aí: a venda desta erva só poderá ser feita para instituições de pesquisa, fabricantes de insumos farmacêuticos e medicamentos. Se funcionar desta forma, o usuário brasileiro que busca o efeito terapêutico da maconha ficará refém da erva disponibilizada pelos laboratórios. Neste contexto, dificilmente teremos acesso a maconha in natura.

A outra proposta, que trata da comercialização de medicamentos feitos com maconha, segue na linha de atender os interesses da indústria farmacêutica. Não será apresentada uma lista prévia de enfermidades que podem ser tratadas com cannabis. A Anvisa vai analisar a autorização para novos remédios conforme os pedidos feitos pelos laboratórios.

E o cultivo caseiro?

Não reconhecer que o usuário possa cultivar a própria maconha, se livrando da dependência da erva oferecida no mercado negro, é um desastre. Importante lembrar que a maior parte da maconha oferecida nas bocas de fumo do País é de péssima qualidade e desaconselhada para uso medicinal. Uma erva de boa qualidade vendida ilegalmente não custa menos de 50 reais por grama.

Famílias que já contam com decisões judiciais que garantem o direito ao cultivo canábico podem voltar para ilegalidade se a regulamentação da maconha seguir nesta linha. Outros incontáveis pacientes que desafiam a lei em busca de um pouco de alívio vão continuar sendo tratados como criminosos, presas fáceis do sensacionalismo do jornalismo policial que costuma apresentar estufas de maconha como uma cena de crime bárbaro.

Um grande barato da aplicação medicinal da maconha é a possibilidade da terapia ser feita sem dependência do remédio elaborado de forma industrial. Com técnica e dedicação é possível obter uma erva ou óleo com qualidade rara de se achar no Brasil. Também não é exagero dizer que um cultivador sozinho pode produzir um fumo e/ou medicamento com qualidade igual ou até superior ao oferecido pelos laboratórios multinacionais.

A luta continua

A decisão da Diretoria Colegiada é apenas uma etapa preliminar da elaboração do processo que pode regulamentar o uso medicinal da maconha. Nos próximos dias, as duas propostas serão submetidas à consulta pública. Também será realizada uma audiência pública (ainda sem data), com microfone aberto ao público para debater a questão.

O direito ao cultivo caseiro, principalmente quando se trata do uso medicinal, é elemento presente nas legislações canábicas de diferentes países. Ignorar esta questão é atentar contra a vida de milhares de pacientes que conseguiram uma vida mais serena fumando um bom e simples baseado.

O Hempadão é um blog especializado em cultura canábica atuante desde 2009. Jornalismo e entretenimento com pitadas de poesia e informação. Saiba mais em https://hempadao.com/ ou fale conosco em [email protected].

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo