Intervozes

Liberdade de expressão sob fogo cerrado

A restrição à liberdade de expressão pode emergir de forma crua através da violência física, que se dirige aos corpos das pessoas e busca anular suas vozes, seus fôlegos, suas vidas.

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*Por Bruno Marinoni

Nas denúncias apresentadas pelas sociedade civil aos “relatores especiais para promoção do direito à liberdade de expressão” da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), em breve passagem pelo Brasil, um aspecto do tema chama bastante a atenção: a violência que acompanha a privação desse direito.

A restrição à liberdade de expressão acontece, em boa parte das vezes, de forma velada, ideológica e estrutural, oculta no cotidiano saturado por mensagens publicitárias, em uma esfera pública mergulhada na concentração da propriedade privada e no interesse de se vender mais e mais. Entretanto, sua face violenta pode emergir de forma crua, na violência física, explícita, que se dirige aos corpos das pessoas e busca anular suas vozes, seus fôlegos, suas vidas.

São casos como o do jornalista Rodrigo Neto e do fotógrafo Walgney Assis de Carvalho, assassinados no primeiro semestre de 2013 em Minas Gerais e relacionados com a morte de pelo menos mais 12 pessoas. Segundo a Artigo 19, organização que defende o direito à liberdade de expressão, somente este ano, oito casos de assassinato de jornalistas e nove de defensores de direitos humanos estão sendo investigados por suspeita de estarem relacionados à divulgação de informação.

Em um discurso emocionante durante a Conferência Global de Jornalismo Investigativo realizada no dia 15/10, em frente ao relator da ONU, Frank de La Rue, a ministra Maria do Rosário alertou para a necessidade do Brasil propor medidas específicas contra o assassinato de jornalistas e os grupos de extermínio. Sua proposta à Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), organizadora do evento, foi clara: é necessário ampliar  o debate sobre a federalização dos crimes contra jornalistas e transformá-lo em uma luta pela federalização dos crimes contra os direitos humanos.

As mortes por encomenda e a censura, infelizmente, são realidades comuns em um país em que as elites regionais controlam os poderes executivo, legislativo, judiciário, além de concentrar os meios políticos, econômicos e midiáticos. O Brasil se encontra, hoje, entre os dez primeiros países com maior número de assassinatos de jornalistas, ranking que não existe para  defensores dos direitos humanos. Mas os casos saltam aos olhos de quem quiser ver, como o ocorrido com a Irmã Dorothy, assassinada há mais de oito anos.

Está claro que poderes locais se utilizam de grupos paramilitares (de extermínio) e do aparelho estatal para reproduzir seu poder e fazer calar as vozes locais que o desequilibram. Quem observou as manifestações nas ruas nos últimos meses com atenção pode ter certeza que o poder dentro e fora do Estado está coadunado. A fala da ministra Maria do Rosário, em seu comentário sobre o tratamento de cinegrafistas, jornalistas e comunicadores em geral pela polícia nos atos públicos deixa isso evidente: “uma violência direcionada aos comunicadores representa a tentativa do Estado impedir o conhecimento sobre suas próprias práticas”.

Investigar a morte de pessoas que foram mortas por divulgarem o que sabiam é complicado, como destacou Frank de La Rue. O Estado precisa adotar medidas físicas (imediatas), legais e políticas de proteção à violência, mas iniciativas como essa dificilmente nascem do próprio Estado sem a pressão da sociedade organizada.

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