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Neutralidade de rede, destruída nos EUA, está a salvo no Brasil

É preciso, porém, marcar esta posição e fortalecer o Marco Civil da Internet para que direitos de usuários continuem garantidos

Sociedade civil reunida contra quebra da neutralidade de rede nos EUA
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Por Marina Pita*

Houve um tempo da escassez de espaço para divulgação de ideias. Para disponibilizar um artigo, como este, era preciso ser dono de jornal ou ter uma concessão de rádio ou TV. A criação da Internet, e o posterior desenvolvimento da Web, mudou isso ao criar um espaço em que, ao custo da conexão e de um dispositivo, é possível divulgar ideias.

E cabe todo mundo. Quem consegue garantir sua entrada pode chegar aos demais usuários da rede. Mas tudo isso que a Internet nos ofereceu se sustenta em alguns poucos pilares, entre eles a neutralidade de rede.

Por isso, é com imenso pesar que os usuários de Internet no mundo todo devem ter recebido a decisão da Federal Communications Commission (FCC, na sigla em inglês), agência reguladora das comunicações nos Estados Unidos, de revogar as regras de manutenção e proteção da neutralidade de rede no país.

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Todos os internautas perdem, quando um país decide abrir mão de uma característica fundamental para a pluralidade de ideias, inovação e desenvolvimento econômico. Mas a decisão dos Estados Unidos, vale frisar, não pode ser encarada como porteira: passou boi, passa boiada. Pelo menos aqui no Brasil, não.

No Brasil, o contexto que levou à garantia da neutralidade de rede é outro. Após longuíssimo processo de debate e uma série de consultas públicas que levou mais de três anos, nós – governo, sociedade civil, acadêmicos e empresas – costuramos um arcabouço legal que disciplina o uso da Internet e estabelece direitos de usuários e dos atores econômicos neste ecossistema: o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014).

Lá está bem evidente a obrigatoriedade de manutenção da neutralidade de rede, um princípio de arquitetura que se baseia no dever dos provedores de acesso de tratar os pacotes de dados que trafegam em suas redes de forma isonômica, não os discriminando em razão de seu conteúdo, origem ou destino. É isso que faz com que a pluralidade e diversidade existam na rede.

Assim, aqui não cabe a uma agência reguladora se deixar mover pelos ventos, mais ou menos conservadores, do governante da vez. Nós tomamos uma decisão em lei, é o que frisa não apenas o Intervozes, mas diversas organizações em defesa da Internet livre, aberta e plural, reunidas na Coalizão Direitos na Rede para tranquilizar os usuários brasileiros.

Direitos iguais na rede e função social

E ainda bem que construímos o MCI, porque as especificidades da realidade brasileira tornam a neutralidade de rede ainda mais importante. Aqui as leis para garantir a diversidade e a pluralidade nos meios de comunicação são mais frágeis e o debate sobre isso segue congelado por parte da sociedade, especialmente os que ganham mais com a manutenção da concentração no setor. Há menos jornais.

Uma parcela muito menor da população tem acesso à TV por assinatura e sua multiplicidade de canais. Aqui as pessoas têm menos acesso a livros, revistas, bibliotecas, shows e cinemas. Por isso, uma internet livre, porém com regras que garantam os mesmos direitos a todos os atores que fazem parte dela tem uma responsabilidade ainda maior de nos ajudar na tarefa de garantir a liberdade de expressão.

Com a decisão norte-americana, lá será possível, por exemplo, que uma operadora possa “reduzir a velocidade de um determinado serviço de vídeo ou música, bloquear o conteúdo de uma plataforma específica sem apresentar justificativas detalhadas e sem necessariamente comunicar o usuário sobre essa prática”, escreveu a Coalizão.

No Brasil, os desafios são imensos, para que este potencial de pluralidade e diversidade da Internet se efetivem, mas não são os mesmos dos Estados Unidos. “No Brasil, não é possível reduzir a velocidade, nem oferecer um pacote de acesso com apenas uma parte dos conteúdos da Internet.

Qualquer tipo de degradação do acesso ou discriminação devem ser descritos e suas motivações e efeitos para a experiência do usuário devidamente explicitados”, explica a Coalizão na nota. Mas temos a tarefa de fortalecer o respeito à neutralidade de rede, por meio da obrigação de cumprimento do MCI e sua efetivação. Isso significa necessidade de acompanhamento e fiscalização contínuos.

Assim, são muito bem-vindos os posicionamentos públicos de que “cada um é cada um”, que vão sendo registrados pela Coalizão. Em resposta à revogação nos Estados Unidos, o atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes (PSDB/SP), publicou, por exemplo, em sua conta pessoal no Twitter: “a revogação da neutralidade da rede nos Estados Unidos fere um de seus princípios mais importantes: a liberdade de conexão. Ainda bem que no Brasil o Marco Civil da Internet nos protege de medidas dessa natureza!”.

No mesmo sentido, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) afirmou em resposta à Agência Brasil que “a lei no Brasil está em vigor e não há nenhuma movimentação para mudanças”.

A nós cabe também a solidariedade com todos e todas que trabalham pela manutenção da neutralidade de rede no mundo. A rede é global e essa característica a torna mais rica, de forma que qualquer impedimento para a livre manifestação dos internautas em alguma parte do mundo terá impacto em nossa capacidade de ouvir, de apoiar, de dialogar. A solidariedade não é, portanto, porque as mudanças nos Estados Unidos poderiam automaticamente acarretar uma onda global de revés para a neutralidade de rede.

Existe soberania nacional e, assim como o Brasil, países em desenvolvimento, como a Índia, já entenderam que apenas a garantia de direitos iguais na internet pode fazer parte de uma base para uma sociedade mais justa. Além disso, apenas a neutralidade abre espaço para o empreendedorismo e a inovação fundamentais para sua participação na economia digital.

O Brasil tem o Marco Civil da Internet e a neutralidade de rede aqui não é frágil como era nos Estados Unidos. Aqui o foco é avançar na universalização e igualdade no acesso à Internet, na garantia de direitos na rede.

*Marina Pita é jornalista e compõe a Coordenação Executiva do Intervozes

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