Intervozes

Porque nós, mulheres negras, podemos tudo!

O 9º Latinidades foi importante espaço para visibilizar positivamente causas e ações das mulheres negras e combater o racismo na mídia

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Por Cecília Bizerra Sousa*

A última semana de julho foi vivida intensamente por militantes negras em Brasília. Na sequência do Dia Internacional da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha, 25 de julho –, data que marca a luta e resistência da mulher negra no mundo – ocorreu a nona edição do Festival Latinidades, que trouxe a comunicação para o centro do debate.

Com discussões ricas e diversas sobre a democratização dos meios de comunicação, sobre a luta contra a invisibilidade e pela desconstrução de estereótipos e, ainda, sobre nossa articulação e nosso fazer diário com o intento de visibilizar positivamente nossas causas e ações e combater as práticas midiáticas que reproduzem o racismo, ficou evidente o protagonismo das mulheres negras nesta batalha que, aos poucos, tem revolucionado o fazer da comunicação.

Foi um momento especial para vermos e sentirmos o quanto nossa articulação, na prática, produz bons resultados. Percebemos que aquilo que elaboramos e denunciamos, por meio de nossos blogs, músicas, vídeos, páginas e perfis em redes sociais, reverbera para toda a sociedade, obrigando a imprensa tradicional a repercutir temas antes desprezados, como as ocorrências de crimes de racismo.

Constatamos que rompemos barreiras do racismo e do sexismo quando os enfrentamos de forma combinada e ocupamos espaços de visibilidade, apesar das violações contra nossa identidade. E assim, abrimos caminhos para que outras mulheres negras possam agir e falar de maneira empoderada.

E por falar em superar violações e abrir caminhos, a declaração da jornalista negra Luciana Barreto, âncora do Repórter Brasil Tarde, da TV Brasil, foi um ponto alto do festival.

Num tom altivo e quase confessional, ela disse: “No início da minha trajetória no jornalismo, recusei muito em ir para frente do vídeo, porque eu fui aquela criança negra violada pela televisão. O meu lugar de fala é como mulher negra e, como o de muitas de vocês, é o lugar de fala de quem teve a identidade violada por uma concessão pública.”

Trata-se de uma fala impactante, que escancara a perversidade do racismo e do sexismo e suas formas sofisticadas de atuação. Mostra também o quanto precisamos ser fortes para superar as suas estratégias de exclusão, que violam nossas identidades desde cedo.

Contra isso, temos usado diversas estratégias de resistência e de conquista de liberdade. Uma delas é a articulação, a irmandade, o companheirismo, como tão bem disse na abertura do festival a jornalista negra Juliana Cézar Nunes, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC): um simples – e significativo – pegar na mão uma da outra com um olhar afetuoso e firme e um “vamos” pode criar uma rede que nos fortalece e nos leva para frente. Uma sobre e puxa a outra.

Não há um modelo único de militância negra na comunicação, muito menos uma fórmula exata com a melhor maneira de utilizá-la para o combate ao racismo e a promoção da diversidade e pluralidade na mídia brasileira.

Estamos amadurecendo e desenvolvendo nossas estratégias de militância e de diálogo, a partir de um entendimento que a comunicação é um instrumento importante, vital, e do qual “é preciso que nos apropriemos para fazermos com que seja nossa”, como afirmou na abertura do festival o comunicador Mestre TC, fundador da Casa de Cultura Tainã e da Rede Mocambos.

Exemplo de um fazer nada convencional, baseado na irreverência e no bom humor como uma estratégia de quebrar a resistência de muitos que não “suportam” ouvir as verdades que os ativistas têm a dizer, é a Tia Má, personagem criada pela jornalista negra Maíra Azevedo, que trouxe muita graça e empoderamento para o festival deste ano.

Também merece destaque a participação de Joyce Fernandes, a Preta Rara, criadora da página Eu Empregada Doméstica, que, com sua voz corajosa e libertadora, amplifica a voz das várias denúncias de abusos e assédios sofridos por mulheres negras que foram ou são empregadas domésticas, o que vem causando furor, derrubando máscaras e pautando a imprensa tradicional.

Com altivez, ousadia, afeto e mãos dadas, criamos estratégias para subversão do racismo midiático. Além disso, produzimos, pautamos, criamos, registramos e espalhamos memória e história como ressaltou Larissa Santiago, das Blogueiras Negras. “Porque sim, nós, mulheres negras, podemos tudo”.

*Cecília Bizerra Sousa é Jornalista negra, integrante do Coletivo Intervozes e da Irmandade Pretas Candangas. Com colaboração das pretas Elaine Meireles (Pretas Candangas) e Clara Marinho Pereira.

 

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