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Para onde vai o dinheiro da Ancine?

Precisamos discutir o fomento com recursos públicos ao setor audiovisual do Brasil. Valores giram em torno de R$ 1 bilhão por ano. Por Gustavo Gindre, no Intervozes

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Por Gustavo Gindre*

O fomento ao audiovisual com recursos públicos conta com uma série de mecanismos municipais, estaduais e federais, dispersos e desprovidos de uma lógica sistêmica. Dentre esses mecanismos, de longe, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) administra os mais significativos.

Grosso modo, os mecanismos de fomento com recursos públicos, no âmbito da Ancine, podem ser divididos em dois tipos: renúncia fiscal e fomento direto.

Renúncia fiscal

A renúncia fiscal, por sua vez, abarca dois diferentes tipos de mecanismos de fomento. De um lado, os mecanismos de patrocínio, onde agentes econômicos não relacionados ao audiovisual aportam recursos públicos de imposto de renda para a produção de obras audiovisuais. Em troca, essas empresas recebem apenas a exposição de suas marcas como patrocinadoras.

De outro lado, os mecanismos de investimento, onde distribuidores de obras audiovisuais, radiodifusores e programadoras de TV paga aportam recursos públicos de impostos sobre remessas ao exterior para a produção de obras audiovisuais. Em troca, essas empresas se tornam coprodutoras destas obras.

Regulamentação infralegal, expedida pela Ancine, define quais os direitos de coprodutores, permitindo que essas empresas tenham direito a 49% da receita líquida, a exibição gratuita por cinco anos em seus canais (no caso de programadoras e radiodifusoras) e a distribuir a obra por cinco anos (no caso de programadoras e radiodifusoras) ou até 70 anos (no caso de distribuidores), entre vários outros direitos.

Na prática, isso significa que essas empresas utilizam recursos públicos para se tornarem coprodutoras de obras audiovisuais brasileiras ditas “independentes” e, com isso, adquirem grande parte da receita dessas obras e influenciam fortemente em aspectos de sua produção (como roteiro, figurino, trilha sonora, locações, elenco, diretor e corte final, por exemplo).

Provavelmente, o Brasil é o único país do mundo a usar esse estranho mecanismo de renúncia fiscal para a produção de obras audiovisuais. Em geral, a renúncia fiscal movimenta cerca de R$ 200 milhões por ano.

Fomento direto

A Ancine pratica pequenas modalidades de fomento direto, através do uso de seus próprios recursos, como o apoio à participação e/ou exibição em festivais internacionais, o Prêmio Adicional de Renda (PAR) e o Programa de Incentivo à Qualidade (PAQ), mas é o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) que torna o fomento direto o principal instrumento de fomento ao audiovisual brasileiro.

Criado pela Lei 11.437/2006, o FSA recebe a imensa maioria de seus recursos da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). Inicialmente, havia dois tipos de Condecines, apelidadas de “Condecine Título” (taxa paga no registro de obras audiovisuais, brasileiras ou estrangeiras, que se destinem ao mercado brasileiro – exceto no caso da produção própria dos radiodifusores, que, por incrível que pareça, está isenta) e “Condecine remessa” (taxa paga na remessa de recursos ao exterior por agentes econômicos ligados ao audiovisual). Estas duas Condecines somadas movimentavam cerca de R$ 70 milhões por ano.

A nova Condecine

Mas, foi a Lei 12.485/2011 que mudou o cenário do FSA, prevendo uma nova Condecine, a ser paga por empresas de telecomunicações. Esta nova Condecine arrecadou, em 2013, pouco menos de R$ 1 bilhão. E o governo federal se comprometeu em repassar cerca de R$ 400 milhões para o FSA em 2014. Até 2013, a Ancine conseguia desembolsar apenas 17% dos recursos do FSA, com 83% retornando ao Tesouro.

Com a chegada desse novo montante, a Ancine tem sido pressionada para melhorar sua eficiência administrativa (conseguindo desembolsar o total dos recursos disponíveis) e para ampliar as linhas do FSA. Até 2013, o FSA praticamente emulava a renúncia fiscal, com fomento à produção de obras ditas “independentes”, em geral em parceria com distribuidores, radiodifusores e programadoras estrangeiras.

Ocorre que a lei permite gastar os recursos do FSA em praticamente qualquer coisa relacionada ao audiovisual, como infraestrutura, formação de mão de obra, canais comunitários, pequenos produtores, produção regional, etc, etc. As diretrizes do FSA são definidas pelo Conselho Superior de Cinema (CSC), organismos composto por representantes do Estado e da sociedade civil, mas fortemente hegemonizado pelos principais agentes do mercado, inclusive empresas estrangeiras.

Urge que a sociedade civil discuta uma nova política para o uso destes recursos que, no limite do superávit primário, podem chegar a R$ 1 bilhão por ano.

*Gustavo Gindre é integrante do Intervozes.

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