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O que a filosofia oriental ensina ao debate político brasileiro?

O debate político brasileiro é um reflexo pobre da racionalidade humana dualista. A filosofia oriental poderia contribuir muito para seu avanço.

Maitreya, tido como aquele que esgatará ensinamentos de Buda, é também compreendido como mestre da superação das dualidades
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Não se propõe aqui que os países do Oriente são perfeitos ou que são melhores do que o Brasil, nem que todos sejam modelos de justiça social e de debates políticos profundos. No entanto, a filosofia oriental milenar, que não necessariamente é compreendida e seguida por todos os orientais, tem muito a ensinar ao debate político brasileiro.

Um dos princípios fundamentais do budismo e de outras filosofias orientais, como as brahmanianas, é o domínio da mente. Procura-se evitar ao máximo que o externo (os fatos, as relações) interfira no interno (os pensamentos, os sentimentos e as emoções), até porque são dois planos distintos.

Ainda que muitos creiam na mudança do externo por meio da força da mente, a ação é mais efetiva. Os desejos, as preocupações, tudo aquilo que está no intrassubjetivo apenas serve para turvar a mente e tirar a paz.

Os orientais buscam, acima de tudo, a paz interior, para que, a partir dela, possam transformar o externo com compaixão. Como uma mente sem paz e sem compaixão vai ajudar alguém? Já viu alguém que não sabe nadar salvando um afogado num mar revolto? 

Não concordamos com a ideia de ficar apenas meditando o dia inteiro, buscando ou mantendo a paz interior e deixando o mundo em volta pegar fogo. Nem é possível esperar que todos virem santos para começarem a debater a política no Brasil.

O problema é que os debates brasileiros vêm sendo marcados por pessoas completamente desequilibradas, o que se reflete em toda a violência verbal e até física vista quase diariamente. Um candidato que discrimina mulheres, negros, gays etc. tem altas intenções de voto. Isso não é ficção? 

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Não é à toa que o ocidental vem buscando cada vez mais viagens ao Oriente. O turismo sagrado e o zen aumentam muito, assim como a vinda de mestres orientais para o Ocidente, o crescimento da Yoga e de outras artes, pois os ocidentais não aguentam mais a vida dualista que levam, sem paz, com foco excessivo no material e muita desarmonia traduzida em competições, comparações, disputas e agressões várias.  

A transgressão ou superação das dualidades, tema recorrente neste blog desde o início, é algo essencial para uma evolução do debate político brasileiro, porém que, apesar de mais discutida hoje, ainda se mostra muito difícil na racionalidade prevalecente. Às vezes, ela surge na política com o nome de terceira via, com frequência mais um jogo de marketing do que, de fato, uma superação da dualidade. 

As dualidades são ilusões de que as coisas podem ser compreendias de forma separada, como se fossem opostos estanques, quando o que se tem por opostos são apenas graus diferentes da mesma coisa. Quantos não veem governos de esquerda agindo como se fossem de direita, o que gera, inclusive, segregação no que se chama de esquerda?

Por que não deixar um pouco de lado essa antiquada ideia de esquerda e direita e falar de propostas? Quanto se tem discutido no Brasil concretamente as propostas dos pré-candidatos? Enquanto continuar o debate superficial, de nós contra eles, com cada um já tendo decidido seu lado e sem manter qualquer espaço para eventual mudança, os políticos continuarão manipulando as massas e prometendo o que não vão cumprir.

Desde a ideia de integração de Yin e Yang até muitos outros aspectos das filosofias orientais, a superação das dualidades esteve normalmente presente. Maitreya, tido no budismo como aquele que virá resgatar os ensinamentos de Buda e trazer paz ao mundo, é também compreendido por alguns como o mestre da superação das dualidades.

O reducionismo das coisas e a dualização para efeito de separar até ajudaram o conhecimento humano quando do início do desenvolvimento das ciências nos primórdios da Idade Moderna, mas essa racionalidade se esgotou. Hoje ela ajuda a gerar conflitos, que, apesar dos efeitos danosos, também impulsionam as pessoas a irem fundo no seu interno e a refletirem.

Se todos estivessem seguindo suas vidas como até mais ou menos os protestos de 2013, pouco se aprofundaria nas entranhas do país e dos brasileiros. Foi toda a agressividade e a falta de amor da dualização política que levou – repita-se, apesar de muitos tristes efeitos – à publicização da corrupção brasileira e a um combate mais efetivo.

Foi também esse período de dualidade que, levando muitos a desgostos nas discussões políticas, os fez repensar escolhas, emoções e comportamentos. O caótico quase sempre promove muitos efeitos positivos, pois tira as pessoas da zona de conforto. Vide o período pós-II Guerra Mundial, que gerou um desenvolvimento econômico sem igual ao longo de mais ou menos 20 anos, além da união entre países por meio de organizações internacionais, dentre muitos outros acontecimentos positivos, até que veio a dualização reforçada por figuras como Ronald Reagan e Margaret Thatcher. 

Boa parte da filosofia oriental acredita que tudo caminha para a unificação. Então, quanto mais as pessoas se mantêm na dualidade e sem paz interior, mais terão sofrimento, porém, ao mesmo tempo, esse sofrimento, um hóspede indesejado, fará com que o indivíduo, mais cedo ou mais tarde, movimente-se para um novo nível de consciência.

Quantos não estavam ensandecidos, agressivos, com os debates políticos das eleições de 2014 e do impeachment, mas agora já demonstram maior consciência, mais serenidade? Alguns passaram por esse processo, porém é evidente que muitos outros não. Cabe a quem passou dar o bom exemplo agora. 

Um problema crasso do debate político é que as mentes menos despertas creem muito na verdade, na existência de uma posição que é a correta, enquanto que a oposta, aquela que completa a dualidade, é a errada. Invariavelmente, as pessoas que pensam assim também creem que elas têm a posição correta e que lhes é cabido impor a sua verdade aos demais.

Nem entremos no fato de que muitos dos envolvidos diretamente com a política têm interesses pessoais mesquinhos. Não precisamos ir longe. Fala-se aqui daqueles que compram as promessas políticas e, muitas vezes, até por estarem sem emoção em suas vidas ou por se sentirem lesados de algum modo por um partido ou candidato entram nos debates políticos como se fossem os próprios profetas contra os hereges.

É algo como as cruzadas, quando milhões se matavam por defenderem a religião supostamente correta, a que tinha mais direitos sobre a outra. 

As filosofias orientais pregam que é preciso primeiro se melhorar para depois querer melhorar o outro. De novo, até aqui há uma dualidade que precisa ser superada: agir muito desequilibrado ou apenas agir quando se tornar santo. É possível agir à medida em que alguém se equilibra, até porque esse é um processo constante, que leva toda a vida, consistente em meditar, buscar autoconhecimento e autodesenvolver-se.

Não se pode, contudo, querer transformar os demais à força, com agressividade, acreditando que o lado supostamente oposto é inimigo e passível de sofrer violência, para impor aquilo que se tem por verdade. Isso não é ativismo político, mas doença psíquica.

Por melhor que pareça ser o conselho a ser dado a alguém, se houver imposição, se faltar ternura, paciência, ele será mais uma manifestação de orgulho, mais uma vontade de que o outro mude para agradar o próprio ego, do que propriamente uma vontade prática de ajudar e de melhorar a realidade.

Sempre fica muito claro, quando os debates políticos esquentam, que há ali um monte de sentimentos reprimidos sendo colocados para fora. São frustrações, crenças de que não se obteve o sucesso por conta daquele partido ou político, quando a pessoa sequer tem paz interior e acredita realmente que sua felicidade é definida por quem governa.

As melhores filosofias orientais sustentam que felicidade é o caminho, e não o destino. Os ocidentais pensam que felicidade é satisfação dos desejos: ganhar dinheiro, fama, poder, a melhor mulher ou melhor homem. “Serei feliz quando me aposentar”.

Felicidade no Ocidente é ter coisas, conquistar, deter poder sobre coisas e pessoas, não trabalhar. Felicidade, para os sábios orientais, é seguir em paz durante todo o caminho, seja qual for o cenário, aproveitando aquilo que se obtém, mas sem qualquer desejo agressivo ou apego.

O debate político brasileiro melhorará quando a sociedade brasileira despertar mais a sua consciência. Isso está acontecendo. Quanto antes ocorrer, menos sofrimento será necessário. Torçamos todos para que não demore. 

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