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“Duopólio PSDB-PT tem grandes chances de não se repetir em 2018”

Para o professor de Oxford especialista em Brasil, pode ter sucesso um candidato que una promessas de reformas e redistribuição

Timothy Power: Bolsonaro não deve ter sucesso em 2018
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Professor de Estudos Brasileiros na Universidade de Oxford, o americano Timothy Power se especializou em estudar a política do Brasil desde a década de 80. O seu conhecimento estrutural e conjuntural do sistema político brasileiro resulta, dentre outros fatores, de falar o português de forma completamente fluente e de visitar o Brasil com certa regularidade.

Em entrevista a CartaCapital, concedida em seu escritório situado no centro para estudos da América Latina da Universidade de Oxford, Tim Power afirmou que o ano de 2017 deve ser como 1993, quando o governo Itamar Franco se encontrava perdido e sem projeto, enquanto que as eleições de 2018 devem ser como as de 1989, com um grande número de candidatos e decisão acerca dos participantes do segundo turno apenas nos últimos dias.

Power também afirmou que vê um enfraquecimento da polarização histórica e inédita na democracia mundial entre dois partidos dentro de um sistema de coalizão bastante fragmentado. Para ele, é provável que seja eleito em 2018 um político de outro partido, que não PT ou PSDB.  

CartaCapital: O Brasil está polarizado entre PSDB e PT há muito tempo. Pode-se traduzir isso numa disputa entre o neoliberalismo e o nacional populismo. O PT esteve no poder durante pouco mais de 13 anos e cresceu muito. Agora o PSDB teve bom crescimento nas eleições municipais, e o PT encolheu. Como entender esses ciclos entre PSDB e PT? Eles devem continuar ou há agora espaço para uma “novidade”? 

Timothy Power: PSDB e PT mudaram de ideologia ao longo dos anos. O PSDB não nasce neoliberal. Se retornamos à votação na Constituinte, o PSDB traçou um perfil político de centro-esquerda e não muito simpático ao setor privado. Inclusive, na nota da Fiesp, o PSDB ficou à esquerda da média.

Obviamente, o PSDB mudou muito a partir de 1994 e o PT muda a partir de 2002. Então, para os dois partidos, esse efeito é exatamente igual: quando entram na Presidência da República, sofrem uma guinada à direita em termos de sua reputação na classe política. Eu tenho dados de pesquisas que mostram isso.

O grande mistério do sistema partidário brasileiro é como se tem um duopólio presidencial num sistema tão fragmentado no Legislativo. É inédito na história da democracia ver um sistema fragmentado, mas com dois concorrentes presidenciais repetidos seis vezes.

Então, houve dois efeitos mais ou menos conjunturais. O ano de 1989 posiciona o PT como partido hegemônico da esquerda, pois antes não era, inclusive na Constituinte, quando tinha metade do tamanho do PDT. Lula supera Brizola em 1989 por mais ou menos 500 mil votos e, com o colapso de Collor, o PT praticamente herda o lugar de principal partido de oposição.

Isso foi em 1989. Em 1994, houve o Plano Real. Houve, naturalmente, projetos de construção dos partidos, mas também ocorreram esses dois “acidentes” históricos que posicionaram PSDB e PT, e eles continuam como os grandes adversários da política brasileira.

Em 2014, foi a única vez na qual o PSDB quase não chegou. Aécio passou Marina somente nos últimos dias da campanha. Talvez, isso tenha mesmo acontecido nas últimas 72 horas. Acho, no entanto, que o duopólio tem grandes chances de não se repetir em 2018.

CC: Por quê?

TP: Há uma situação de grande incerteza. Eu diria que 2017 vai ser um “1993” e 2018 vai ser um “1989”. Com 1993, quero dizer que as pessoas não lembram como era ruim o primeiro ano do governo Itamar. Elas apenas lembram de 1994. Em 1993, Itamar não tinha rumo. Havia uma coalizão muito heterogênea, com poucas prioridades, o governo não parecia ter voluntarismo.

Era, portanto, um governo vacilador total em 1993, não muito diferente do governo Temer hoje. Agora, 1989 é outra história. É um Fla x Flu de candidaturas. Os espaços estavam abertos, e a influência de Sarney sobre o pleito foi zero. Os dois partidos que apoiaram Sarney, o PMDB de Ulisses e o PFL de Aureliano, chegaram a 5% dos votos.

Então, havia grande incerteza. Eram 23 candidatos, e vários poderiam ter chegado ao segundo turno. Covas, com 11% dos votos, chega em quarto lugar. Acho que 2018 pode revelar um cenário desses, no qual não vamos saber até o último momento quem vai chegar ao segundo turno.

Pela primeira vez, também, haverá em 2018 um candidato antissistêmico que vai causar impacto. Não foi o caso nas últimas seis eleições, a não ser pelo caso de Enéas, mas, deixando-o de lado, Jair Bolsonaro é um candidato antidemocrático, se posiciona abertamente contra o atual regime, pois elogia um regime militar falecido. Bom, sabemos de suas “qualidades”, mas me surpreenderia se ele não chegasse com 5% a 8% das intenções de votos.

CC: Frente à onda conservadora que se espalha no mundo após o Brexit e a vitória de Trump, haveria espaço no Brasil para a eleição de alguém como o já citado Jair Bolsonaro, que sustenta bandeiras como a homofobia, ou seria hora para alguém com propostas complexas, que sirva como uma terceira via?

TP: O que é parecido entre o Brexit e a vitória do Trump, e talvez seja uma constante na França com a candidatura de Marine Le Pen, é a existência de votos partidarizados, mas há candidatos que passam por cima disso para dar um “dane-se” à classe política.

Então, aqui no Reino Unido, o referendo de junho, como não foi uma eleição casada, foi só essa questão em votação, muita gente utilizou isso como eleição de segundo patamar para dar um “basta” à classe política como um todo. Duvido que muitas pessoas tenham votado analisando a questão da União Europeia. Votaram para dar uma mensagem à classe política, pois estavam se sentido excluídos etc. 

Trump nasce com isso. Ele não é um republicano, não vem do partido. Já foi democrata no passado. É uma pessoa apartidária. Mas ele se inscreve nas eleições primárias dos republicanos, e logo vence 15 ou 16 pré-candidatos.

A vitória mais surpreendente de Trump não foi na eleição geral, mas nas primárias. Isso foi incrível. Ele acabou com Bush, Cruz, Rubio e tantos outros. Trump perde na geral no que toca ao voto popular por mais de 2 milhões de votos, mas isso não é nada surpreendente, pois os republicanos perderam seis das últimas sete eleições nos Estados Unidos pelo voto popular, porém ganharam duas artificialmente no Colégio Eleitoral, o que define quem será o presidente no atual sistema norte-americano.

O que une os dois processos, repito, é uma rejeição à classe política como um todo. No Brasil, porém, não há ainda um candidato que se posicione dessa maneira. Bolsonaro, se for inteligente, se quiser realmente copiar Trump, irá adotar o discurso de Collor em 1989, que foi: “Eu estou contra tudo que está aí”, ou melhor, “que aí está”, é como ele dizia.

O problema é que, no Brasil, não se pode ter candidaturas avulsas. Isso é proibido por lei. Se existissem candidaturas independentes, o Brasil sofreria uma revolução em 30 segundos. E você não chega a lugar nenhum sem fazer coligações. Quem vai fazer coligação com Bolsonaro?  

CC: Muitos dizem que a social democracia europeia trouxe benefícios até onde pode, mas parece ter se esgotado. No Brasil, parece que nem sequer foi possível chegar à social democracia de uma forma minimamente profunda. Qual seria o caminho de agora em diante para uma política mais democrática e inclusiva?

TP: A crise da social democracia já foi identificada duas ou três vezes no passado e já estamos na pós-terceira via. O diagnóstico de Anthony Giddens, Tony Blair, esse pessoal dos anos 90, era o de que o modelo de social democracia já estava esgotado em termos de políticas públicas, mas não em termos de valores.

A social democracia tinha que se refundar em base de valores universalistas, em vez de sobre políticas públicas previsíveis. Blair tenta adotar um modelo mais pró-mercado, como fizeram outros contemporâneos, a exemplo de Felipe González, Michel Rocard e outros, mas, ao mesmo tempo, pregava valores universalistas, como de não exclusão, de inclusão social, transparência etc. 

Ele se queimou aqui no Reino Unido por outra razão que não teve nada a ver com esse debate. Ideologicamente, ele tinha alguma coisa construtiva para apresentar, apesar de apenas parafrasear Anthony Giddens, o guru dele. 

Não se fala tanto, nos últimos 15 anos, na terceira via. Blair a queimou com uma aliança que fez com George W. Bush, no contexto da guerra no Iraque, coisa que não teve nada a ver com a intenção original de Blair de reinventar a social democracia.

Sobre a sua pergunta acerca do Brasil, que era feita pelo PSDB no seu início, no que toca à possibilidade de passar para uma social democracia sem passar pelo Estado do Bem Estar Social e pela sindicalização que aconteceu na Europa, o PSDB nunca teve bases sindicais. Essas bases foram para o lado do PT no início dos anos 80. 

O caminho para o Brasil chegar à social democracia já estava bloqueado desde os anos 80, porque o PT estava propondo outro resultado, que eles chamavam de socialismo democrático, e não social democracia.

Quando o PT chega ao poder, eles implantam algo bem mais parecido à social democracia do que ao socialismo democrático. Eles tiveram que abrandar a ideologia fazendo coligação, coalizão com partidos de centro-direita, mas as políticas públicas do PT foram muito criativas e mostraram que houve, sim, uma possibilidade pós-terceira via. Ela seria baseada no desenvolvimentismo e na inclusão social via políticas públicas criativas em termos de construção de capital humano: educação, salário mínimo, Bolsa Família, CCTs, essas coisas.

De certa forma, o pacote de políticas do PT vai ser preservado pelo pensamento majoritário da política brasileira simplesmente como fruto de seu sucesso, que é comprovado empiricamente.

Nesse ponto, há uma semelhança entre a social democracia europeia e a experiência petista no Brasil. O sucesso das políticas públicas, por mais que elas sejam criticadas, as torna permanentes. Ninguém pode mexer nelas sob o perigo de morrer politicamente.  

CC: Houve um lado de sucesso das políticas do PT, mas também um lado de fracasso, e muito se fala que faltaram reformas estruturais.

TP: O desfecho meio triste de todos esses 20 anos foi que os partidos assumiram paternidade de certas experiências e as defendem de maneira ferrenha. O governo de FHC foi de algumas reformas, porém sem redistribuição, e o do PT foi de redistribuição, mas sem reformas. 

Há essa dualidade entre os dois partidos. Parece que foi um século atrás, mas as últimas eleições, com segundo turno entre Aécio e Dilma, revelaram uma defesa desses dois modelos sem trocar nenhuma vírgula. Foi uma batalha de legados. Se você lesse uma transcrição dos debates, poderia imaginar que a disputa era entre FHC e Lula, e não entre Aécio e Dilma.

Aécio falava dos anos 90, que o PSDB tinha estabilizado a economia etc. Dilma falava do governo Lula, do Bolsa Família etc.

Falta no Brasil uma força que pregue as duas coisas ao mesmo tempo: reformas e redistribuição.

Na Europa, houve um consenso mais explícito entre centro-esquerda e centro-direita, no qual você podia imaginar qualquer governo fazendo as duas coisas: reformas e redistribuições necessárias. Você podia imaginar isso dos democratas cristãos e dos social-democratas alemães, e o sistema espanhol não foi muito diferente.

No Brasil, é como se cada partido busque ter uma paternidade pura das duas experiências. A tragédia de 2014 é que o Brasil tinha uma chance de fazer um debate olhando para o futuro, mas ele terminou olhando para trás.  

CC: Qual a sua opinião sobre a PEC 55, que tramita no Senado Federal, uma regra de austeridade que, se aprovada, irá dificultar o trabalho do elaborador de políticas públicas, pois é uma regra constitucional, que congelará o orçamento do ponto de vista real por ao menos 10 anos? 

TP: Eu não sou economista, nem advogado, então não posso julgar efeitos macroeconômicos ou jurídicos, mas, em princípio, não gosto da ideia de usar a Constituição como camisa de força devido a uma maioria temporária querer constranger futuras maiorias e minorias.

Tenta-se usar a Constituição para veicular uma regra tipicamente infraconstitucional ou até mesmo criada por meio de pacto político, o que eu prefiro. Parece-me que o objetivo da reforma, que é a contenção de gastos, deveria ser alvo de pacto negociado, ao invés de emenda constitucional.

Tendo dito isso, sabe-se, contudo, que a Constituição brasileira é fácil de se emendar. Se você pega de 1988 para cá, só as emendas ordinárias totalizam 93. Ainda há cinco ou seis do Congresso Revisor. São quase 100 emendas. Fazendo as contas, é quase 1 emenda constitucional a cada 100 dias no Brasil nos últimos 25 anos.

A ideia de que se vai ter um efeito realmente de duração de 10 anos é utópica. Há dois anos, Dilma gozava de uma maioria de 70% na Câmara. Hoje Temer também goza de uma maioria de 70%. Isso quer dizer que, em dois ou três anos, é possível ter uma mudança de maioria espetacular e com 60% mais 1 dos votos, você emenda de novo a Constituição.

Isso cria a ideia de usar o texto constitucional como um barômetro do tamanho das coalizões da política brasileira. Eu estou bastante preocupado com o uso da Constituição para constranger maiorias futuras.

Se você volta para a Constituição tal qual ela foi aprovada em 1988, foi colocado no capítulo da Ordem Econômica, no parágrafo 3º do art. 192, uma regra de limite de juros, que foi comemorada pela esquerda à época. A direita reclamava que isso era um tipo de Voodoo Economics, porque você não podia usar a Constituição para impor uma política macroeconômica.

Por sorte, era necessária uma lei complementar para regulamentar essa regra constitucional, mas a lei nunca foi criada e em 2003 o enunciado constitucional foi extinto.

Hoje as pessoas que diziam ser Voodoo Economics colocar aquela regra na Constituição estão fazendo o mesmo.   

CC: A austeridade fiscal rígida tem dado certo na Europa? Quais têm sido os seus efeitos? 

TP: Os efeitos macropolíticos da austeridade entre os países da Europa são muito diferentes. A Grécia cria um partido do não, do contra, que é o Syriza, e esse partido ganha o poder.

Na Espanha, houve a criação de um partido de indignados, que é o Podemos, a terceira ou quarta força agora da política nacional, mas que não chega ao poder. 

Em Portugal, não houve nenhuma mudança. Amigos em Portugal contam que o país está numa situação ruim, mas não tem indignados (risos).

O efeito da austeridade é processado através das instituições e da cultura política local, por meio das quais se vê três desfechos completamente diferentes, mas o que une os países é uma rejeição à centralização da influência de Bruxelas, do Banco Central Europeu ou até da própria Alemanha etc. 

Aqui no Reino Unido, houve uma austeridade mais provinciana, implementada por Cameron para reduzir o deficit que ele herdou de Brown, e essas políticas estão sendo conservadas no governo atual. 

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