Vanguardas do Conhecimento

Repensando a educação brasileira com Pestalozzi e Rivail

A vida em casa deve ser uma extensão da escola, e vice-versa. A educação pública não consiste apenas em professores despejando conhecimento nos alunos

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Em texto passado, foram apresentadas brevemente algumas ideias de Pestalozzi para a educação. A empreitada será continuada agora a partir das suas obras e daquelas de Hippolyte Léon Denizard Rivail, um dos seus principais discípulos.

As críticas à educação brasileira realizadas nestes textos referem-se ao que prevalece hoje, ao que se tem de mais comum, sendo importante lembrar que, evidentemente, há casos de sucesso e até de vanguarda tanto na educação privada quanto na pública, como já tivemos a oportunidade de apresentar aqui.

A grande empreitada que o Brasil tem pela frente envolve, em parte, diminuir os espaços entre as escolas e professores vanguardistas em relação ao restante das escolas e professores do país, que ainda se encontram em posição muito aquém de atingir uma educação de alta qualidade, que seja capaz de colocar as nossas crianças em condições de competir com aquelas formadas nos países mais desenvolvidos do mundo e de solucionar os nossos enormes problemas internos. Pestalozzi e Rivail podem ajudar nessa empreitada.

Rivail publicou diversas obras pedagógicas com base no que aprendeu com Pestalozzi. Uma delas foi o Cours pratique et théorique d’arithmétique (Curso prático e teórico de aritmética), publicado apenas em francês, que ele inicia afirmando ser preciso não apenas ver a aritmética como uma ciência a ser apreendida, mas como “um meio de desenvolver a inteligência da criança, de formar seu julgamento e de lhe acostumar a raciocinar com precisão”.

Rivail continua explicando que essa é a função, aliás, da educação elementar segundo Pestalozzi: mais do que dar conhecimentos positivos às crianças, ela deve prepará-las para recebê-los. Segundo ele, o método do seu mestre consistia em valorizar as faculdades humanas concedidas pela natureza, permitindo às crianças que, se viessem a não dispor de um instrutor, pudessem buscar o conhecimento sozinhas, pois teriam aprendido a aprender.

A ideia, portanto, que é genial de tão elementar, é focar o trabalho na formação de crianças pesquisadoras, pensadoras e sensíveis, agindo mais sobre o ser em si. Os conteúdos e, sobretudo, as atividades de transmiti-los se tornam, sem perder sua própria importância, ferramentas de estímulo a faculdades essenciais, às chamadas “capacidades”. É uma visão bastante pragmática da educação. 

Em Leornard and Gertrude (Leonardo e Gertrudes), talvez o livro mais famoso de Pestalozzi, publicado pela primeira vez em 1781, porém não traduzido ainda hoje para o português, ele defende o ensino de aritmética a partir de coisas vivas, do dia a dia das crianças. Se o objetivo é ensiná-las a contar e manipular os números com destreza, isso deve ser feito por meio dos passos que se pode dar na sala de aula, das fileiras de cadeiras etc.

Essa proposta pode parecer óbvia demais, mas não era à época e, mesmo hoje, talvez não tanto no ensino dos números e operações básicas, mas no de diversos outros assuntos, usa-se de excessivas abstrações, segue-se livros teóricos à risca, enquanto que a criança aprenderia mais rapidamente e com maior desenvolvimento de suas capacidades se ela vivenciasse o conteúdo a todo momento, praticando-o de forma ativa.

Este autor percebeu há algum tempo que aprendia melhor na medida em que sistematizava ativamente seus estudos em textos, que começou a publicar. Do mesmo modo, aprende-se línguas estrangeiras mais rapidamente quando se fala e escreve, não apenas ouvindo e lendo. Apesar de todos os problemas e riscos, a escrita em redes sociais sobre temas políticos, econômicos e outros tende a ajudar muita gente a aprender com mais velocidade.  

De acordo com Pestalozzi, acima de tudo o grande mestre deve ensinar, em cada ocupação da vida, uma ideia acurada e inteligente sobre objetos comuns ou mesmo sobre as forças da natureza. 

Pestalozzi via na criança um ser com inúmeras faculdades latentes, como germens a serem desenvolvidos pela educação. Se essas sementes não forem adequadamente regadas, especialmente no período em que as crianças estão mais abertas a absorver tudo com o que têm contato, elas pouco se desenvolvem. É exatamente a educação (na família, na escola ou em qualquer outro seio) que levará, a despeito dos talentos, as faculdades da criança ao grau máximo que o seu espírito permite, normalmente muito mais alto do que imaginamos. 

Rivail destaca, dentre as faculdades, a observação e a memória. Não significa que, pelo fato de a educação não dever ser enciclopédica, de despejamento de enorme quantidade de assuntos em caráter superficial, que a faculdade da memorização não deva ser desenvolvida. Há, como veremos, um grande equívoco em pensar que, para desenvolver a memória, é preciso focar no ensino do máximo de temas e cobrá-los decorados numa prova. Isso é soberbamente tão comum no Brasil quanto inadequado para uma boa educação.

Pestalozzi, por sinal, não aplicava provas aos seus alunos. Os educadores tinham tamanho conhecimento de cada um deles e tamanha preocupação com seu verdadeiro aprendizado, que trabalhavam dedicadamente sobre as suas dificuldades específicas, não havendo atribuição de notas a provas com perguntas sobre o conteúdo do curso. No Brasil, (quase) todos são aprovados para elevar o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).    

Ainda conforme Rivail explica com base nos muitos anos de estudo e de ensino no instituto de Pestalozzi, a criança nasce uma observadora, disposta a tudo examinar, tudo tocar, pedindo para experimentar, mesmo que sem emitir uma única palavra, tudo o que se apresente a sua visão.

A tarefa educacional deve, portanto, desde os primeiros dias de vida, se voltar para dar um fim útil a essa faculdade, esse instinto natural de observação, experimentação e descoberta. É preciso estimular na criança o interesse por adquirir conhecimento, por conhecer mais coisas, pessoas, histórias, funções, tudo o que possa lhe interessar, tornando-a um ser ávido por aprender.

Como essa educação pode e deve começar nos primeiros dias de vida, ela precisa ser dada por aqueles que convivam com as crianças: os pais, provavelmente, ou mesmo familiares próximos e babás. Por conta disso, o Estado deve preparar as famílias e seus ajudantes para desenvolverem ao máximo a criança antes mesmo da chegada dela à escola, ou acontece aquilo que se vê hoje com frequência: umas chegam muito mais desenvolvidas do que outras por conta das diferenças nas educações, quase sempre intuitivas, que seus pais lhes dão.

Há estudos científicos variados comprovando que filhos de pais bem intelectualizados já chegam à escola, com seus 2 anos, dispondo de um vocabulário muito mais extenso do que os filhos de pais pouco intelectualizados. Mais língua significa mais capacidade de nominar as coisas e, portanto, de compreender o mundo a sua volta. Mais língua significa quase sempre mais conhecimento.

A vida em casa deve ser uma extensão da escola, e vice-versa. A educação é um processo único que se vive nesses dois ambientes e, portanto, a educação pública não consiste apenas em colocar professores dentro de prédios e fazê-los despejar conhecimento aos alunos. 

O papel do Estado começa com a educação realizada pelos pais durante a gravidez, período no qual se sabe que a criança já começa a absorver o que acontece em sua volta. É preciso haver ampla instrução aos pais no momento seguinte ao que fizerem o primeiro exame pré-natal. Políticas devem ser criadas, talvez até como pressuposto para aproveitamento do Bolsa Família, com o intuito de obrigar os país a realizarem atividades preparatórias para que possam estar “treinados” a educar o feto e a criança tanto logo após o seu nascimento como mais tarde.

Como há uma grande parte da população brasileira ainda pouco instruída, é preciso distribuir livros infantis e outros de natureza edificante (ex. de grandes filósofos) para que sejam lidos em voz alta desde os primeiros meses de gravidez, já desenvolvendo a percepção da criança mesmo dentro da barriga da mãe, estimulando-a a apreender um vocabulário inicial e acostumando-a com ideias e sentimentos edificantes. 

Essa educação mais passiva é a única possível enquanto a criança é um feto, mas, logo que ela nasça, deve iniciar uma educação mais ativa. A formação de um indivíduo não pode ser apenas de audição de palavras, conforme Pestalozzi lembra mais de uma vez em Leonardo e Gertrudes. Ela precisa ser ativa, de por a mão na massa, de sentir as coisas, de buscar o aprendizado.

Na visão que Pestalozzi tenta transmitir na obra referida, a educação prática, ética e amorosa seria a solução para boa parte dos problemas do mundo. Concordamos com essa visão dele, mas é importante ter em mente que o pedagogo suíço venerava a sua babá, que foi responsável pela sua educação, de modo que muito da sua obra escrita, e da sua obra de vida, está pautada na ideia de uma educadora como a salvadora da humanidade. Há um exagero influenciado pela sua experiência de vida ou sua experiência de vida contou a ele as soluções para os problemas do mundo?

Mais do que incutir moral ou religião na cabeça dos alunos, a sua preocupação maior era fazê-los irmãos, despertando a faculdade de respeito e bem querer entre as crianças, como também entre elas e seus mestres, ou seja, como toda sua educação, ele não pretendia ensinar forçando os educandos a acreditarem ou praticarem algo, mas servindo primeiro como espelho e depois fazendo-os praticar e sentir o benefício daquilo, eles mesmos não iriam mais optar por seguir outros caminhos.

Ainda que haja pré-disposições distintas entre as crianças para despertar e emanar o amor pelo próximo, como toda semente de sentimento humano, elas podem ser educadas para amar, para enxergar o mundo e os outros pelos olhos do amor, o que é fundamental para formar indivíduos elevados, com senso social, com respeito aos demais, tendendo a reduzir influência dos arrastamentos para a desonestidade, formando, assim, indivíduos com mais capital moral

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