Cultura
Amor adulterino
Colunista conta como o casamento passou a ser tratado na literatura a partir das mudanças sociais desencadeada nos últimos séculios
Numa época em que a maioria dos casamentos, pelo menos entre os possuidores, as famílias da elite, seja nobre ou burguesa, eram muito mais arranjos familiares do que impulso e atração pessoais dos nubentes, estamos no século XIX, os escritores românticos pintaram o amor com as cores da pureza e os pincéis da fidelidade. Aliás, em algumas correntes o amor sofre algum tropeço para não chegar a seu corolário sexual. São muitos os exemplos e todos com alguma semelhança.
Em “Eurico, o presbítero”, de Alexandre Herculano, Eurico busca a morte voluntariamente ao enfrentar os mouros, sem couraça ou elmo; e sua amada, Hermengarda, enlouquece ao ver-se entre o dever e o amor. Pouco depois, Camilo Castelo Branco, daria a morte a Simão e Teresa, antes que os amantes se tocassem a não ser com olhares distantes. Sem necessidade de citar o modelo de todos eles, Romeu e Julieta, que mais de dois séculos antes já teriam purificado o amor por expurgo do sexo.
Com ou sem intenção, o fato é que se tentava amenizar o peso do matrimônio por interesse com as tintas fortes de sua sacralidade. Romances de amores-paixão, como o Amor de perdição, de Camilo, funcionariam como elemento catártico, como ocorre até hoje, sobretudo com as novelas de televisão. Tudo aquilo que não posso viver na realidade, vivo na imaginação. E com isso, mantinham-se em razoável estado de saúde os sagrados laços matrimoniais.
São raros os casos, nesse período, de histórias em que aparece alguém cometendo adultério. E quando isso acontece, é geralmente com intenção moralizadora, é para denunciar as fraquezas humanas. Nosso José de Alencar chega a criar uma prostituta, a Lucíola, com a única intenção provável de provar que o amor purifica.
Mas eis que chega o Realismo, inaugurado na França com o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert, publicado em 1857. A Emma é uma das primeiras heroínas adúlteras. Então vieram Anna Karênina, Luísa, do Primo Basílio, a Virgília, amante do Brás Cubas e outras, muitas outras. Emma, Luísa e Anna tiveram destinos semelhantes. As três foram vítimas de suas próprias ações e morreram. Castigo? Talvez.
O fato é que, nos casos de Emma e Luísa, principalmente, denunciava-se a educação romântica, ou a leitura de livros do Romantismo ou ainda o mero pensamento fantasioso romântico. O assunto, mesmo no Realismo, era ainda tratado com rigor moralista, herdado do Romantismo. Melhor sorte teve a Virgília, que não sofreu sansão alguma. Pôs quanto chifre lhe aprouve no Lobo Neves e nada lhe aconteceu. Mas Machado de Assis é um precursor, moderno antes do Modernismo. Sua visão amoralista, pelo menos nesta área, ainda não foi bem assimilada mesmo nos dias atuais, tempo de muita moralidade, principalmente de moralidade hipócrita.
O amor foi dessacralizado, e o sexo acabou sendo admitido como um dos ingredientes das relações amorosas. Mas como acontece em quase todas as transformações sociais, caiu-se no extremo oposto, supondo-se que a realização sexual é a única maneira de se amar, tanto é que “fazer amor” acabou sinônimo de praticar o ato sexual. De qualquer forma, o mundo se modificava, e com ele a literatura. E quem não tiver pecado algum, que atire a primeira pedra.
Numa época em que a maioria dos casamentos, pelo menos entre os possuidores, as famílias da elite, seja nobre ou burguesa, eram muito mais arranjos familiares do que impulso e atração pessoais dos nubentes, estamos no século XIX, os escritores românticos pintaram o amor com as cores da pureza e os pincéis da fidelidade. Aliás, em algumas correntes o amor sofre algum tropeço para não chegar a seu corolário sexual. São muitos os exemplos e todos com alguma semelhança.
Em “Eurico, o presbítero”, de Alexandre Herculano, Eurico busca a morte voluntariamente ao enfrentar os mouros, sem couraça ou elmo; e sua amada, Hermengarda, enlouquece ao ver-se entre o dever e o amor. Pouco depois, Camilo Castelo Branco, daria a morte a Simão e Teresa, antes que os amantes se tocassem a não ser com olhares distantes. Sem necessidade de citar o modelo de todos eles, Romeu e Julieta, que mais de dois séculos antes já teriam purificado o amor por expurgo do sexo.
Com ou sem intenção, o fato é que se tentava amenizar o peso do matrimônio por interesse com as tintas fortes de sua sacralidade. Romances de amores-paixão, como o Amor de perdição, de Camilo, funcionariam como elemento catártico, como ocorre até hoje, sobretudo com as novelas de televisão. Tudo aquilo que não posso viver na realidade, vivo na imaginação. E com isso, mantinham-se em razoável estado de saúde os sagrados laços matrimoniais.
São raros os casos, nesse período, de histórias em que aparece alguém cometendo adultério. E quando isso acontece, é geralmente com intenção moralizadora, é para denunciar as fraquezas humanas. Nosso José de Alencar chega a criar uma prostituta, a Lucíola, com a única intenção provável de provar que o amor purifica.
Mas eis que chega o Realismo, inaugurado na França com o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert, publicado em 1857. A Emma é uma das primeiras heroínas adúlteras. Então vieram Anna Karênina, Luísa, do Primo Basílio, a Virgília, amante do Brás Cubas e outras, muitas outras. Emma, Luísa e Anna tiveram destinos semelhantes. As três foram vítimas de suas próprias ações e morreram. Castigo? Talvez.
O fato é que, nos casos de Emma e Luísa, principalmente, denunciava-se a educação romântica, ou a leitura de livros do Romantismo ou ainda o mero pensamento fantasioso romântico. O assunto, mesmo no Realismo, era ainda tratado com rigor moralista, herdado do Romantismo. Melhor sorte teve a Virgília, que não sofreu sansão alguma. Pôs quanto chifre lhe aprouve no Lobo Neves e nada lhe aconteceu. Mas Machado de Assis é um precursor, moderno antes do Modernismo. Sua visão amoralista, pelo menos nesta área, ainda não foi bem assimilada mesmo nos dias atuais, tempo de muita moralidade, principalmente de moralidade hipócrita.
O amor foi dessacralizado, e o sexo acabou sendo admitido como um dos ingredientes das relações amorosas. Mas como acontece em quase todas as transformações sociais, caiu-se no extremo oposto, supondo-se que a realização sexual é a única maneira de se amar, tanto é que “fazer amor” acabou sinônimo de praticar o ato sexual. De qualquer forma, o mundo se modificava, e com ele a literatura. E quem não tiver pecado algum, que atire a primeira pedra.
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