Cultura

Aquarius: o retorno da censura?

Os que já assistiram ao filme de Kleber Mendonça garantem que a classificação não procede. A situação seria cômica se não fosse trágica

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O Ministério da Justiça classificou como não recomendado para menores de 18 anos de idade o filme Aquarius, do cineasta Kleber Mendonça Filho, sob a alegação de que este contém “uma situação sexual complexa”.

Os que já assistiram ao filme garantem que a classificação não procede. Além de conter cenas moderadas de violência, o filme tem apenas algumas cenas sensuais que passam longe de configurar essa vaga situação sexual complexa que o ministério estranhamente aponta. Seria cômico se não fosse trágico.

O Brasil já viveu momentos de implacável censura à produção artística. Para ficarmos apenas no período republicano, basta lembrar o papel do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) no Estado Novo varguista e da atuação da Censura Federal durante a vigência da Ditadura de 1964. Em ambos os casos, vivíamos tempos de exceção, marcados por governos autoritários, nos quais músicos, atores, dramaturgos, escritores, cineastas, etc. sentiram o peso da mão firme dos carrascos da intolerância.

O caso de Aquarius é ainda mais estranho porque o elenco do filme, durante o Festival de Cannes, protestou contra o afastamento da presidenta Dilma Roussef e a política para a área da cultura do governo interino de Michel Temer. O protesto, registre-se, teve repercussão mundial.

Tal fato reforça a impressão de que a não recomendação de Aquarius para menores de 18 anos é simples retaliação à manifestação. Poderia ser encarada apenas como birra do governo interino em virtude do protesto dos atores, mas deve ser vista como algo mais preocupante: a ação do ministério tem o cheiro inequívoco daqueles que, inimigos do contraditório, colocam a própria democracia em risco em nome de seus projetos.

Neste momento em que o Brasil assiste à tentativa de desmonte das políticas sociais e trabalhistas arduamente conquistadas, atenção especial deve ser voltada para o campo da cultura. Cerceá-lo é sempre uma estratégia dos inimigos do estado de Direito.

Não custa lembrar que o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão”. O campo da arte é, por excelência, espaço de manifestação deste direito. Foi isso, o exercício da liberdade de expressão, que o elenco de Aquarius fez em Cannes.

Ao retaliar o filme com argumentações insustentáveis, o governo de Temer flerta com a intolerância, a bravata, o revanchismo rasteiro e o moralismo mais tacanho. Mais do que isso, porém, mostra as garras e revela um traço inquisitorial que deve preocupar a todas as pessoas comprometidas com a pluralidade como marca da cultura.

Os que querem impedir jovens de 16 anos de ir ao cinema assistir a um filme de méritos propagados, são os mesmos capazes de defender a redução da maioridade penal para 16 anos.

Parece que o Ministério da Justiça, a julgar pela ação contra Aquarius, acha mesmo que lugar de menor é na cadeia, enquanto nós, do campo progressista, achamos que lugar de menor é fazendo e vivenciando a cultura nas ruas e equipamentos culturais em que ela acontece; inclusive nos cinemas.

* Chico D’Angelo é deputado federal pelo PT-RJ e presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados

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