O Festival de Brasília talvez seja entre os pares o que mais refletiu o sintoma variável, ao sabor dos eventos, do cinema nacional. Sabemos da sua histórica relação com a intensa produção dos anos 60 e 70, em especial aquela de tom político, engajado e de originalidade artística. Para ficar num exemplo, Glauber Rocha, que até hoje ecoa em determinada linha de pensamento por aqui.
Depois veio a terra devastada dos anos 80, com o fim da Embrafilme e o total desmanche da era Collor. O que se consagrou chamar de retomada na década seguinte veio lentamente e Brasília não queria abrir mão de regras como o ineditismo, e muito menos acolher uma leva que desafinasse com a tradição de vitrine lançadora de tendências, discussões enfim, e sobretudo qualidade e renovação.
Demorou, mas pode se dizer que a 48ª edição consolida uma perspectiva positiva aos poucos construída sobre erros e acertos nos últimos anos. Não que não houvesse um painel interessante de filmes recentes, mas sentia-se uma indecisão no ar sobre que caminho seguir, qual postura de curadoria assumir. Afinal, tem-se a disposição número mais que razoável de longas e curtas-metragens para se determinar uma proposta.
No ano passado, a escolha de novíssimos realizadores despertou debates. Falou-se em radicalidade, ao se deixar de contemplar uma geração de experiência já comprovada, sem falar dos veteranos. Proposta arriscada, por sorte sem desmerecer a tradição de qualidade.
Daí louvar o equilíbrio agora alcançado. As gerações se misturarão. Nomes jovens tão incensados há um ano, caso de Aly Muritiba e Cristiano Burlan, integram o calendário competitivo ao lado de colegas já reconhecidos, seja de atividade persistente e habitual na casa como Claudio Assis seja de núcleo de maior experiência que é Roberto Gervitz, embora em sua primeira passagem pelo festival.
São apenas seis longas na competição oficial, o que também deve ser louvado como decisão. Menos é mais, parece dizer o conjunto de curadores em tarefa assumida este ano. Qualidade ainda será um quesito a ser conhecido, e apenas se pode falar do primeiro concorrente exibido.
A Família Dionti, de Alan Minas, não nega no espírito a identidade referida pelo sobrenome de seu realizador. Talvez por ser carioca, ele tenha se desdobrado na captura do sentimento de mineirice que seu filme inegavelmente exala. A fonte não poderia ser mais autêntica que Guimarães Rosa, embora Alan tenha citado na apresentação como referência também Manoel de Barros.
O fato é que o diretor articula bem um mundo de realismo com outro de magia e fantasia, na história do clã do título formado por três homens, um pai e dois filhos entrando na adolescência. A mãe os abandonou, e será o caçula a contestar as situações, a não conformação do que é dado, até que mude sua atenção a uma menina recém-chegada com um circo que nunca se vê.
Tudo se passa nas belas montanhas mineiras, na região de Cataguases tao cara ao cinema nacional desde Humberto Mauro. É retrato simpático em sua conotação extemporânea, pois nada se vincula a vida moderna, a atualidade. Mas talvez falte maior ambição ao que quer discutir, saber afinal onde se encontra a raiz de valores perdidos numa sociedade massacrante e pouco, ou nada, afeita a poesia, as pequenas felicidades do cotidiano.