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Novas e velhas regras

Esquentam no Congresso os debates sobre a cota de tela para obras brasileiras e a regulação do streaming

Davi e Golias. Os Aventureiros – A Origem, com Luccas Neto, o filme brasileiro mais visto este ano, vendeu 422 mil ingressos. Barbie, o líder entre os blockbusters, já atingiu a marca de 9,6 milhões de espectadores – Imagem: Warner Bros./Synapse e Warner Bros.
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Embora os Projetos de Lei (PL) que tratam da regulação das redes sociais e das novas formas de recolhimento de direitos autorais sejam os mais vistosos, há outras duas importantes pautas sobre cultura e entretenimento em curso no Congresso Nacional: o restabelecimento de cotas para a produção brasileira e a regulação dos serviços streaming.

E são esses os cavalos de batalha dos representantes de diferentes entidades ligadas ao setor audiovisual que, na quarta-feira 9, estiveram em Brasília para conversar com senadores e deputados e com representantes do Executivo. O movimento se seguiu a outro, significativo, feito na semana anterior pelo Ministério da Cultura (MinC).

Foi após uma articulação encabeçada por integrantes da pasta que, no dia 2 de agosto, chegou à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado o PL nº 3696, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder do governo na casa.

O texto prevê o retorno da cota de tela para filmes brasileiros nas salas de cinema até dezembro de 2043 e estende para esse mesmo ano a validade das cotas para a produção nacional vigentes na televisão por assinatura. Na semana passada, o senador Humberto Costa (PT-SP), líder do PT, fez um vídeo para celebrar o convite para a relatoria do projeto.

No caso da regulação das plataformas de streaming, o cabo de guerra se dá em torno de dois projetos. Um deles, que data de 2017, tramita na Câmara e, desde junho, está sob a relatoria de André Figueiredo (PDT-CE). O outro é o substitutivo do senador Eduardo ­Gomes (PL-TO), em trâmite no Senado.

O primeiro especifica obrigações relativas ao investimento das plataformas de vídeo sob demanda, como Netflix e HBO Max, em conteúdo brasileiro e à presença de filmes e séries feitos por produtores independentes nos catálogso. O texto atualiza, para a era digital, demandas históricas da produção independente brasileira.

Já o segundo tem como foco a incidência da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) sobre as empresas de streaming. Hoje, elas são as únicas da cadeia audiovisual a não recolher o tributo. Embora haja menção à diversidade e à possível criação de cotas, o texto flexibiliza a regulação, indo mais na direção dos pleitos das plataformas. O substitutivo também exclui das novas regras novelas e séries presentes nos catálogos da televisão.

Um novo Projeto de Lei apresentado pelo líder do governo no Senado indica que o MinC foi a campo e deseja maior intervenção do Estado

Se, no caso do streaming, as cotas ainda se mostram controversas, no caso das salas de cinema esse mecanismo já foi, de certa forma, absorvido – até por existir há décadas e ter sido considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Isso não significa, porém, que o PL não gere dissenso. E se isso acontece é porque o PL dá novas feições à obrigatoriedade. A cota de tela, estabelecida pela Medida Provisória 2228-1, de 2001, venceu em setembro do ano passado e o novo projeto modifica o texto da lei original.

Fica estabelecido, por exemplo, que a presença dos títulos brasileiros nas salas deve obedecer a um número mínimo de sessões, e não apenas de dias. Estão previstas ainda regras que têm o ­objetivo de limitar o tamanho dos lançamentos dos blockbusters – que chegam a ocupar mais de 90% das salas do País – e de impedir que um filme brasileiro seja tirado de cartaz se estiver fazendo determinada média de público e renda.

Desde 2020, ano em que a pandemia fechou as salas e a Agência Nacional do Cinema (Ancine) foi assolada por uma crise institucional e política, os filmes brasileiros têm visto sua habitualmente baixa participação de mercado encolher ainda mais.

Se, na década anterior, a produção nacional respondeu, em média, por 15% do total de ingressos vendidos, desde 2021 o porcentual tem girado entre 1% e 2%. E essa queda não tem nada a ver com falta de filmes: o cinema brasileiro responde, atualmente, por cerca de 30% das estreias anuais.

O PL do senador Randolfe Rodrigues contempla o posicionamento técnico da Ancine, que tem feito a defesa do que chama de “ocupação predatória” do circuito exibidor. No caso da tevê por assinatura, a cota de tela ainda está em vigor, mas vence em setembro – justamente por isso, o texto prevê também sua prorrogação.

Embora seja apenas um entre outros PLs relativos ao setor, esse projeto traz uma sinalização importante: o governo entrou em campo para tentar dar um novo ordenamento legal a um mercado que, nas duas últimas décadas, passou por transformações profundas. E o sinal vai no sentido de maior intervenção do Estado.

Nessa arena de disputa estão as empresas de tecnologia que hoje têm as próprias plataformas, caso de Apple e ­Amazon, os grupos de mídia e entretenimento, como Disney e Globo, e todos os empresários e profissionais do mercado independente brasileiro. Não é pouco. •

Publicado na edição n° 1272 de CartaCapital, em 16 de agosto de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Novas e velhas regras’

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