Cultura

Relação de Temer com a Cultura vai da negação à depressão

Dos cinco estágios do luto do presidente com setor, apenas lhe resta a aceitação: compreender que os bons ventos dependem de sua saída

Sérgio Sá Leitão é o quarto ministro a ocupar a pasta de Temer em pouco mais de um ano
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Depois de 34 dias vago, o Ministério da Cultura ganhou, na quinta-feira 20, um novo titular: Sérgio Sá Leitão, até então diretor da ANCINE (Agência Nacional do Cinema) e ex-secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, durante o governo de Eduardo Paes (PMDB).

Mas este artigo não é sobre ele.

Quem acompanhou a trajetória da Cultura sob a gestão de Michel Temer sabe que posse não significa permanência. Quando ainda parece ser cedo para avaliar a atuação de um ministro recém-empossado, rapidamente somos surpreendidos por sua saída. A fronteira entre o ‘é cedo para falar’ e o ‘agora é tarde demais’ já não existe. Resta o silêncio.

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No entanto, como não podemos nos furtar a refletir, talvez ainda reste, aos que trabalham com cinema e cultura independente, o bom humor insuperável dos brasileiros ou, vá lá, um pouco de psiquiatria grosseira. Afinal, como ‘black blocs’ – assim nos apelidou carinhosamente o novo Ministro -, sair do lugar do comum faz parte do expediente.

Explico.

Na psiquiatria, mas já apropriado pela sabedoria popular, existe um modelo – proposto pela suíça Elisabeth Kübler-Ross, em 1969 – segundo o qual haveria cinco etapas para se lidar com o luto: a negação, a raiva, a negociação, a depressão e, por fim, a aceitação.

Passados quase cinquenta anos, o esquema é ainda usado à exaustão e, dada as circunstâncias tragicômicas da história recente do Ministério da Cultura, talvez possa ser uma ferramenta didática para relembrar o nosso passado recente.

Vamos por partes.

Primeiro, claro, a negação:

Temer assume o governo, ignora conquistas históricas do setor e, negando a importância do caráter autônomo da Cultura, declara extinta a pasta – subordinando as demandas da área ao Ministério da Educação.

A raiva se segue: bombardeado pela tímida (lê-se quase inexistente) presença de mulheres na composição de seu governo, Temer afirma querer uma “representante do mundo feminino” na Secretaria Nacional de Cultura.

Faz cinco convites: a  apresentadora Marília Gabriela, a antropóloga Cláudia Leitão, a cantora Daniela Mercury, a atriz Bruna Lombardi e a consultora de projetos Eliane Costa. Todas recusam. Relatos de bastidores dão conta da irritação do presidente.

Kübler-Ross crava a sequência – chega a hora da negociação com a opinião pública: incrédulo com as recusas, Temer coloca Marcelo Calero no cargo e, pouco tempo depois, em aceno à sociedade, recria o Ministério da Cultura, transformando o recém-empossado secretário em ministro.

Nos seis meses em que permanece no cargo, Calero atinge o grande feito de seu mandato justamente ao renunciar: deixa a Esplanada dos Ministérios alegando ter sido pressionado por Geddel Vieira Lima, então titular da Secretaria de Governo, para liberar um empreendimento imobiliário em Salvador no qual ele tinha comprado um apartamento. Afirma, ainda, ter gravado conversa na qual o presidente interveio a favor de Geddel.

As tentativas seguem e o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, assume o Ministério da Cultura. Em discurso, Temer afirma que o novo titular “vai salvar o Brasil”.

O salvador dura seis meses no cargo.

Repetindo o seu antecessor, Freire faz da própria renúncia o seu principal feito: após o vazamento do áudios da JBS, em que Temer estaria comprando o silêncio de Eduardo Cunha, o líder do PPS afirma não ter mais condições de permanecer no cargo. O interino, João Batista Andrade, aguenta a função por um mês e, também repetindo os colegas, opta por abandonar o barco.

Chega-se ao quarto estágio: a depressão. Temer dá os primeiros sinais de abatimento, a ponto de preocupar seus amigos mais próximos. Segundo revelou a coluna da Mônica Bergamo, de 3 de julho, o presidente estaria “abalado, preocupado e triste”, sentindo-se numa “guerra sem trincheira nem guarita”.

O presidente está triste, o suficiente para se enganar, pois assim falou na posse de Sérgio Sá Leitão:

“Vivemos em um país de muito otimismo. Temos dificuldades? Claro que as temos. Mas isso é mais ou menos histórico no nosso país… a capacidade extraordinária de recuperação do povo brasileiro, de otimismo, de crença nas nossas instituições. E hoje, especialmente, a absoluta crença em que o país está se transformando depois de uma longa recessão. Começamos a respirar uma nova economia e novos costumes no nosso país”

A nós, otimistas incorrigíveis, black blocs por ocasião, cabe torcer para o tristonho presidente entender que, dos cinco estágios do luto, apenas lhe resta a aceitação: a compreensão de que os bons ventos dependem de sua saída, de que a crença nas instituições é impossível enquanto ele estiver agarrado ao poder. É certo que os psiquiatras o receberão de braços abertos; o País, no entanto, já perdeu a paciência.

No fim das contas, no meio de tantos lamaçais, a época mais representativa do descaso que se tornou a cultura brasileira não leva o nome de nenhum ministro, mas, sim, dos gloriosos trinta e quatro dias em que a sua cadeira esteve vazia.

*Felipe Poroger é cineasta e diretor do filme “Aqueles Anos em Dezembro”. É responsável também pelo Festival de Finos Filmes, mostra paulistana de curtas

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