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Religiões de matriz africana se unem contra decreto de Crivella no Rio

Produtores culturais e OAB-RJ também criticam a medida do prefeito do Rio de Janeiro por violação às liberdades fundamentais

Religiões de matriz africana se unem contra decreto de Crivella no Rio
Religiões de matriz africana se unem contra decreto de Crivella no Rio
Kayllane Campos, que foi agredida com uma pedrada em 2015, participará de ato na Câmara
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Com o temor de que um decreto municipal possa reprimir atividades do candomblé e da umbanda no Rio de Janeiro, representantes das religiões de matriz africana farão um ato ecumênico nesta quinta-feira 24, na Câmara Municipal do Rio, antes de uma audiência pública sobre o tema na Casa.

O alvo do protesto, que contará com a lavagem das escadarias da Câmara a partir das 16h, é o decreto 43.219/2017, assinado pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. Publicado no dia 26 de maio, o decreto institui o programa Rio Ainda Mais Fácil Eventos (Riamfe), sistema digital por meio do qual a prefeitura recebe pedidos e emite autorizações para a realização de eventos na cidade, sejam eles culturais, esportivos, políticos ou religiosos.

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O texto transfere diretamente para o gabinete de Crivella a concessão dessas licenças e prevê, ainda, a possibilidade de que a prefeitura revogue “a qualquer tempo” uma autorização já emitida. Para o vereador Leonel Brizola Neto (PSOL), que teve a iniciativa de agendar a audiência pública “Não Mexa na Minha Ancestralidade”, marcada para as 19h, a medida é um instrumento de “perseguição”.

“O decreto traz muita preocupação porque dificulta a obtenção de alvará. Tendo em vista que o prefeito Crivella vem da Igreja Universal, que tem um histórico de perseguição principalmente às religiões de matriz africana, se criou no Rio de Janeiro um ambiente de ódio e intolerância”, diz Brizola Neto.

A publicação do decreto gerou uma onda de críticas a Crivella e, cinco dias depois, o prefeito editou o regulamento (CVL nº 58) do novo programa. Em uma tentativa de reduzir a polêmica, o novo texto afirma que “manifestações decorrentes da liberdade de reunião”, bem como “procissões e celebrações religiosas” em geral não estarão sujeitas aos procedimentos de Consulta Prévia e de emissão de Alvará de Autorização Transitória.

Representantes do candomblé e da umbanda, bem como produtores culturais cariocas, que também se sentem prejudicados por Crivella, querem, no entanto, a revogação do decreto. Mesmo entendimento tem a Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ), que entrou com uma representação de inconstitucionalidade na Justiça para suspender os efeitos da medida. Para a OAB-RJ, o decreto viola liberdades fundamentais e fere tanto a Constituição Estadual do Rio como a Constituição Federal.

“Se Sua Excelência [Crivella] estivesse convencido de que o decreto não era mais oportuno, deveria revogá-lo por meio de outro decreto”, diz a representação da OAB-RJ, protocolada no dia 27 de julho no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e ainda sem julgamento. “Parece clara a tentativa de o município do Rio de Janeiro tentar centralizar para si a prerrogativa de autorizar ou não todos os eventos”, continua o texto.

Em vídeo publicado em sua página na internet, o prefeito Crivella negou que o objetivo do decreto seja proibir a realização de atividades religiosas na cidade. “Isso é completamente inconstitucional e, ainda que não fosse, eu não o faria”, disse.

“Não Mexa na Minha Ancestralidade”

O ato ecumênico em frente à Câmara contará com a presença da jovem Kayllane Campos, de 13 anos, que é candomblecista e foi apedrejada na saída de um culto no Rio de Janeiro, em 2015.

De acordo com Katia Marinho, mãe de santo e avó de Kayllane, a garota e outras 11 crianças cantarão o hino nacional ao som de atabaque, instrumento musical do candomblé. Também haverá apresentações de roda de capoeira e afoxé.

“O objetivo do decreto é prejudicar o nosso povo e ferir a nossa cultura. Não podemos deixar”, disse Marinho. À época da agressão sofrida pela neta, a mãe de santo contou à imprensa que os agressores exibiam a Bíblia e as xingavam. O caso acabou arquivado.

Documentário “Respeito”, sobre o caso de Kayllane, será lançado pela TV Cultura:

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