A Importância das Reuniões dos BRICS

Tanto o banco criado como o fundo acabam refletindo a realidade da maior importância da China atual neste conjunto de países membros do BRICS

Dilma conversa com o presidente Vladimir Putin e o primeiro ministro indiano Narendra Modi durante o encontro em Fortaleza

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Nos próximos dias a imprensa deverá veicular diversas matérias sobre as decisões dos BRICS –sigla criada pelo economista Jim O’Neill da Goldman Sachs, a respeito da reunião de cúpula realizada em Fortaleza. O BRICS agrupa países emergentes promissores de grandes dimensões geográficas como o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que pouco têm em comum alem destas características. Poder-se-ia questionar porque então elaborar mais este artigo. Todos os autores podem entender que possuem alguns pontos de vista diferenciados que acrescentariam aspectos novos neste debate.

Os meus decorrem da experiência pessoal das negociações com o Banco Mundial e o acompanhamento das atuações do Fundo Monetário Internacional por anos, ocupando cargos oficiais. Agora, pretende-se substituir ou complementar parcialmente suas funções pelos criados pelos BRICS, o NDB – New Development Bank e o CRA – Contingent Reserve Arrangement, que possuem dimensões e importâncias menores. Mas que se constitui em desafios aos mecanismos que existem até hoje, ainda que os discursos oficiais não sejam de confronto, mas de complementação.

O encontro de Fortaleza mostra que as reuniões de cúpula são importantes porque propiciam, paralelamente, as realizações de encontros bilaterais dos países atualmente componentes do grupo, com oportunidades para celebrar diversos acordos entre eles. Destaquem-se para os da China com o Brasil, da Rússia com o Brasil, alem de encontro de grande importância como da China com a Índia, e somente este já justificaria todo evento.

Existem potenciais para o estabelecimento de muitos outros intercâmbios em decorrência das diferenças entre estes países. Além das atuais limitadas relações bilaterais como as do Brasil com a Índia e a África do Sul, que podem ser elevadas. Mesmo que sejam somente no aumento do comércio internacional, sempre ajudam no desenvolvimento destes países membros.

Lamentavelmente, apesar das mudanças que se processam no atual mundo globalizado, com o aumento da importância econômica e política dos países emergentes, muitos dos organismos oficiais internacionais existentes continuam sob o comando dos Estados Unidos e países desenvolvidos como o Japão e da Europa. Notadamente na gestão de muitas operações que possuem uma importância fundamental. Apesar das promessas de mudanças políticas nos seus comandos, decorrentes dos novos aportes de recursos pelos países emergentes, elas se processam vagarosamente.

Tanto o Banco Mundial como o Fundo Monetário Internacional dependem atualmente das captações de recursos nos mercados mundiais, a custos relativamente elevados, pois as contribuições oficiais dos países membros diminuíram somente para o aumento do capital ou fundos específicos e de forma limitada. As reservas internacionais dos países emergentes se tornaram mais relevantes e são aplicadas pelas regras de mercado, mesmo nas aquisições de bonds com riscos soberanos.


Apesar destes organismos serem internacionais e oficiais, como agências equivalentes das Nações Unidas, os que tiveram a oportunidade de negociar com eles sabem que as interferências dos países desenvolvidos, notadamente dos Estados Unidos, são inevitáveis. Há muitos casos contemplados com a cooperação onde interesses políticos e comerciais acabam imiscuindo, no mínimo nas pressões que ocorrem.

Para citar um exemplo concreto, na negociação dos financiamentos do Banco Mundial para o projeto do Polo Nordeste, há décadas, quando o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária iniciaria a utilização de altas tecnologias do mapeamento proporcionado por imagens de satélites, consultores daquela organização pressionavam pela utilização de determinadas tecnologias, provenientes de um dos fornecedores destes serviços. Este tipo de procedimento acaba sendo usual em muitas operações de suporte para grandes projetos.

Não podemos ser ingênuos, mas, sim, admitir realisticamente que os que providenciam os recursos e se apropriam das gestões se tornam mais influentes, mesmo procurando-se criar mecanismos para um equilíbrio razoável. Tanto o banco criado como o fundo acabam refletindo a realidade da maior importância da China atual neste conjunto de países membros do BRICS.

Mas, na medida em que se contam com alternativas, deve se admitir que os países e os projetos que venham a ser contemplados terão melhores condições de negociação, não se sabendo ainda quais condicionalidades serão impostas em diversos casos específicos. Na medida em que países emergentes estejam participando destas decisões, é de supor que também tenham vozes mais influentes nestas decisões, mesmo que não se chegue ao ideal de completa neutralidade.

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