Como acontecia a fraude na Americanas, segundo investigação da Polícia Federal

Provas obtidas nas investigações mostram que ex-diretores discutiam abertamente as fraudes contáveis que resultaram rombo de R$ 25,2 bilhões

Foto: Divulgação

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A Polícia Federal recuperou troca de mensagens pelo WhatsApp que demonstra que os ex-diretores das Lojas Americanas agiam em conluio para maquiar os balancetes da empresa e encobrir a fraude contábil de mais de 25,3 bilhões de reais. 

Mensagens de 2018 já apontam que funcionários da empresa falavam sobre “melhorias da planilha financeira” para apresentar ao mercado. 

Segundo as investigações, a dissimulação dos resultados era um pedido dos gestores da empresa. 

“Os números reais eram artificialmente incrementados, não apenas para ficarem próximos ao orçado, mas também condizentes com as expectativas do mercado”, cita trecho do relatório da PF obtido por CartaCapital. 

Dessa forma, diretores mantinham uma planilha com os dados reais da companhia, para consumo interno, e outra com dados fraudados, direcionado para o mercado e ao conselho de administração. 

Um documento obtido pelos investigadores mostra que, o arquivo interno da empresa apontava um prejuízo de 209 milhões de reais. Já o demonstrativo divulgado ao mercado revelava um resultado positivo de 129,4 milhões de reais. 


Mensagens trocadas entre executivos e Flávia Carneiro, a delatora do esquema, mostram o momento em que os diretores pedem “os números reais”. 

Em outra troca de mensagens, Carlos Padilha, ex-diretor financeiro da varejista, pede a Carneiro mudanças nos resultados da empresa. 

“Fabien [Picavet, diretor-executivo de relações com o investidor das Americanas] me retornou dizendo que não está bom. Margem, resultado, financeiro e lucro. Ele te falou isso? A ideia de vcs [sic] sentarem é pra ajudar”, escreveu.

Em um e-mail, integrantes do esquema discutiam como conseguir cartas dos bancos para comprovar os números apresentados nos balanços públicos das empresas. Esses documentos também foram apresentados aos auditores independentes que avaliavam as contas das Americanas. 

Segundo a PF, 11 ex-executivos da empresa começaram a vender as suas ações das Americanas a partir de julho de 2022. No total, as ações vendidas somam 250 milhões de reais. 

A debandada dos ex-diretores começou quando o ex-CEO da empresa, Miguel Gutierrez foi substituído por Sérgio Rial. 

No final de julho, cada ação da empresa valia cerca de 14 reais. Atualmente, o valor é de 0,40 centavos. 

Para os investigadores, ficou claro que Gutierrez tinha conhecimento da fraude. 

“Tal prática era de conhecimento de toda a cúpula mencionada, e cada um exercendo sua respectiva função contribuía para a consecução da fraude na empresa. Inclusive era de conhecimento do CEO Miguel Gutierrez, conforme se verifica nas mensagens trocadas entre a Colaboradora Flávia Carneiro e Thimoteo Barros”, afirmou a PF no relatório de investigação.

E-mails e mensagens coletadas pelos investigadores mostram, ainda, que a direção da Americanas chegou a cooptar funcionários dos bancos para que eles alterassem documentos, evitando que a fraude fosse descoberta pelas auditorias.


Além de manipular o preço das ações da companhia na Bolsa de Valores, lucrando com a venda dessas ações, os envolvidos ainda se beneficiavam de premiações em decorrência dos bons resultados da companhia. 

Após as descobertas, a PF deflagrou na semana passada a Operação Disclosure para investigar a fraude contábil na rede varejista. Agentes vasculharam 15 endereços ligados a ex-dirigentes da companhia no Rio de Janeiro.

As provas foram obtidas a partir da delação premiada de Flavia Carneiro e de Marcelo Nunes, de documentos entregues por eles e da quebra de sigilos dos envolvidos. 

De acordo com Carneiro, a fraude acontecia desde pelo menos 2007. 

A Polícia Federal investiga os crimes de manipulação de mercado, uso de informação privilegiada, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Em caso de condenação, as penas chegam a até 26 anos de reclusão.

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