Sustentabilidade

Como o lucro das redes de supermercados precariza o trabalho no campo?

Em sete anos os supermercados passaram a abocanhar a maior fatia do preço final dos alimentos. Para o suco de laranja brasileiro, assim como para o feijão verde queniano, o chá indiano, o camarão vietnamita e o atum em lata tailandês, os pequenos agricultores, que […]

Preço de reduzir a distância entre os salários de fome e um digno é insignificante para as multinacionais (Foto: Cocamar/Fotos Públicas)
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Em sete anos os supermercados passaram a abocanhar a maior fatia do preço final dos alimentos. Para o suco de laranja brasileiro, assim como para o feijão verde queniano, o chá indiano, o camarão vietnamita e o atum em lata tailandês, os pequenos agricultores, que ocupam o extremo inicial da cadeia produtiva, recebem, no máximo, 5% do valor final pago pelo consumidor. No Brasil, o valor chega apenas a 4%. Os dados foram revelados nesta quarta-feira 20 em estudo da Oxfam.

O documento “Hora de mudar: desigualdade e sofrimento humano nas cadeias de fornecimento dos supermercados” marca o lançamento da nova campanha da ONG para denunciar a exploração econômica enfrentada por milhões de pequenos agricultores e trabalhadores nas cadeias de fornecimento alimentar.

“Redes mundiais de supermercados concentram a maior parte do mercado, o que lhes proporciona grande poder na hora de negociar os preços dos alimentos. Dessa forma, pressionam essas redes podem pressionar os fornecedores por custos baixos de produção”, explica o porta voz da Oxfam Brasil Gustavo Ferroni. Esses fornecedores, por sua vez, pressionam pequenos trabalhadores e agricultores, que ocupam o outro extremo dessa cadeia.

As grandes varejistas evitam, dessa forma, o mínimo de prejuízo mesmo em momento de crise de produção. Segundo o relatório, enquanto muitos trabalhadores rurais e pequenos agricultores vivem na pobreza, as oito maiores cadeias de supermercados de capital aberto geraram quase 1 trilhão de reais em vendas, 22 bilhões de dólares em lucros e 15 bilhões de dólares em dividendos a seus acionistas em 2016.

O caso da laranja brasileira é usado como exemplo no relatório. O País é a fonte de um em cada quatro copos de suco de laranja consumidos no mundo. O estudo cita que uma queda de cerca de 70% nos preços de exportação do suco de laranja brasileiro fez com que fossem reduzidos os preços pagos aos pequenos agricultores e produtores a pouco mais que o custo de produção. Além disso, segundo o estudo, o número de fazendas do setor da laranja caiu de 28 mil para menos de 10 mil nas duas últimas décadas.

O estudo mostra como esse modelo de mercado tão concentrado contribui para a pobreza e a privação de direitos de milhões de trabalhadores rurais no mundo todo. Conforme a pressão na ponta dos fornecedores aumenta, eles recorrem a práticas abusivas de trabalho.

Segundo o porta voz da ONG, a maior produtora brasileira de laranja, a empresa Cutrale, que vende para grandes redes varejistas do exterior, está na lista suja de empregadores do Ministério do Trabalho. “Até que pequenos agricultores e trabalhadores conquistem uma fatia maior do valor dos alimentos que produzem, a desigualdade continuará crescendo e não haverá avanço no combate à pobreza”, aponta o estudo.

O preço de reduzir a distância entre os salários de fome e um salário digno é insignificante para as multinacionais. Segundo a Oxfam, “os supermercados e outros atores da cadeia precisariam investir uma quantia ínfima para levar a renda e os salários de hoje a níveis dignos em comparação com o preço pago pelo consumidor final – não mais do que 5% em toda a nossa cesta de 12 produtos e, frequentemente, menos de 1%”.

“Se 3% do preço de venda do suco de laranja fosse repassado aos trabalhadores, já seria o suficiente para cobrir a diferença entre o salário mínimo e o salário digno, este apontado pelo Dieese”, afirma Gustavo.

Extremos desiguais

A concentração do mercado no setor agroalimentar aumentou em todas as etapas da cadeia de fornecimento alimentar, e o varejo não é exceção. “No Brasil, os três maiores supermercados concentram 46% do mercado”, afirma Gustavo. Ele refere-se às redes Carrefour, Walmart e Pão de Açúcar. O caso do Brasil é só mais um que exemplifica o problema exposto pela pesquisa

Gustavo explica que, aliado a um mercado varejista concentrado, muitos governos iniciaram uma onda de liberalização do comércio e desregulamentação dos mercados de produtos agrícolas e mão de obra adotada. Com isso, o poder de negociação de pequenos agricultores e trabalhadores fica ameaçado, aumentando o risco de violações aos direitos humanos e trabalhistas nas cadeias de fornecimento de produtos alimentares.

Como uma potência agrícola, o Brasil e outros países africanos, latinoamericanos e asiáticos estão inseridos no extremo mais prejudicado das cadeias mundiais de fornecimento de alimento. O estudo mostrou que renda média dos pequenos agricultores ou trabalhadores nessas localidades não é suficiente para que eles tenham um padrão de vida decente.

Não é à toa que grande maioria dos trabalhadores que fornecem produtos agrícolas para cadeias mundiais de supermercados têm dificuldades para alimentar adequadamente suas próprias famílias. Segundo o relatório, 90% das mulheres que trabalham no cultivo de uva na África do Sul afirmaram, em entrevistas, não terem tido o suficiente para comer no mês anterior.

Além disso, o documento mostra que, sob pressão, os pequenos agricultores podem ser forçados a trabalhar de forma precária nas grandes plantações que têm condições de atender às exigências dos supermercados em relação a preço e qualidade, podem recorrer ao trabalho infantil, a formas de emprego informais, a jornadas de trabalho excessivas e em condições desumanas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima o número de vítimas do trabalho forçado no setor agrícola em 2017 em mais de 1,1 milhão.

As mais prejudicadas

O estudo ainda mostrou que as mulheres são as trabalhadoras que ocupam posições com menos garantias e menor remuneração das cadeias de fornecimento alimentar. Isso porque normas de gênero profundamente arraigadas fazem com que o impacto seja mais grave para as mulheres.

“Elas não têm direito de possuir terras, têm menos probabilidade de contar com representação sindical, assumem a maioria dos trabalhos de cuidado não remunerados, são discriminadas com relação a remuneração e progressão para funções superiores, e sofrem ameaças de assédio e violência sexuais”, afirma o documento.

Não é à toa que o trabalho das mulheres nas cadeias de fornecimento de produtos alimentares passa despercebido. Suas vozes são menos ouvidas na mesa de negociação, elas estão concentradas nas funções mais mal pagas e precárias do setor agroalimentar e atuam como mão de obra barata e flexível.

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