Economia

O caos político que precedeu o golpe de 64

As reformas de Jango eram modernizantes, mas colocavam em xeque alguns dos pilares do modelo até então existente

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Wanderley Guilherme dos Santos e Daniel Aarão dos Reis acompanharam de perto os movimentos pré e pós 64. Ambos dissidentes do Partido Comunista e com atuação relevante no movimento estudantil da época.

Hoje em dia, Wanderley é um dos mais proeminentes cientistas políticos brasileiros; Daniel, um dos mais fecundos historiadores.
Ontem conversei uma hora com cada um, sobre a agitação que precedeu o golpe de 64.

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Em comum a constatação de que havia um receio concreto, de lado a lado, da iminência de um golpe. O país experimentara uma enorme evolução nos anos 50, com o governo JK promovendo um surto de desenvolvimento que completou o ciclo. Pela primeira vez as massas conquistavam protagonismo político, em movimento similar (mas muito mais profundo) do que acontece hoje em dia.

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Um conjunto de fatores alimentou o fantasma do golpe. As reformas propostas por Jango eram modernizantes, de aprofundamento da democracia. Mas colocavam em xeque alguns dos pilares do modelo até então existente.

Uma delas era a reforma política, propondo o voto para analfabetos – que representavam metade da população brasileira adulta. Aprovada, mataria definitivamente as chances da oposição.

Outra era a reforma agrária, colocando em xeque o latifúndio, cuja bancada era das mais influentes. Nos meses anteriores ganhara corpo no Congresso uma reforma agrária mais ampla, a ser paga com títulos da dívida pública.

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Além das reformas, a retórica radical de Leonel Brizola ajudou a levantar fantasmas por todos os poros.

Na época, havia fantasias em relação à revolução cubana. Muitos intelectuais a comparavam a óleo sobre uma superfície, ou ao barril de pólvora: multidões insatisfeitas com sua situação aguardando a primeira fagulha para explodir.

A própria evolução da revolução cubana ajudava a alimentar temores. Começou com propostas reformistas. Quando se acentuou a guerra fria, acabou tornando-se comunista.

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Essa fantasia era brandida pelo que Wanderley denomina de os “otimistas”, como Brizola e Darcy Ribeiro. Encantava a esquerda e assustava o restante. A radicalização obrigou o próprio Partido Comunista – cauteloso desde o desastre de 1935 – a radicalizar a retórica. E Jango a dar passos ousados, para não perder o controle da sua base.

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Um outro ponto complexo era a completa fragmentação política. De um lado, a esquerda dividida em vários grupos antigos, novos – a nova esquerda católica e os dissidentes do PC -; de outro, a direita e os militares também pulverizados em vários grupos.

Daniel refuta a ideia de uma esquerda desorganizada e uma direita organizada. Os dois lados não tinham nenhuma forma de organização centralizada. Wanderley reforça a ideia de que houve uma pulverização tão grande de grupos de atuação, que não havia formas de coordenação. Os dois lados atuavam julgando estar defendo a democracia contra o outro lado.

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É por isso que Aarão defende que não foi apenas um golpe militar. Ulisses Guimarães engrossou a Marcha da Família; dom Paulo Evaristo Arns e dom Hélder Câmara, entre outros, saudaram a deposição de Jango. Jornalistas liberais apoiaram o golpe.

A desilusão começou uns dois meses depois, quando perceberam que os militares não iriam abandonar o poder.

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