O fracasso dos que propuseram o fim da história

Nos anos 90, essa concepção criou as maiores imprudências economicas de muitos países

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Volto ao trabalho dos economistas Daron Acemoglu-James Robinson (“Economics versus Politics: Pitfalls of Policy Advice”, Fev., 2013) comentado na coluna de ontem.

O foco do trabalho é propor a análise das decisões de política econômica em dois períodos: o primeiro, aquele em que as medidas são tomadas; depois, analisando os efeitos políticos das medidas sobre o segundo período.

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Nos anos 90, apogeu do chamado neoliberalismo, decretou-se o “fim da história”. Significava que nada da experiência histórica poderia ser aproveitado, pois o mundo entrava em uma nova etapa, sem nenhuma relação com o passado.

Esse estratagema possibilitou as maiores imprudências da política econômica de muitos países, incluindo o Brasil. Nenhum alerta era aceito porque baseava-se na experiência histórica; e o novo mundo nada tinha a ver com o anterior.

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Quando os formuladores do Plano Real apreciaram o câmbio, em julho de 1994, houve alertas de que em breve lançariam o país em uma crise das contas externas.

A resposta de Gustavo Franco foi de que os tempos eram outros, que o mercado financeiro internacional tinha adquirido tal dimensão que proveria para sempre qualquer necessidade de dólares dos países. Três meses depois o Brasil quebrou. Mas o discurso permaneceu.

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O mais impressionante foi a maneira como essa visão do momento único influenciou toda a imprensa financeira ocidental.

Em fins de 2002 participei de um Seminário na Espanha, com editores de finanças de vários jornais, incluindo o prestigiado El País.

Lula havia ganhado as eleições e o dólar disparara.

O representante do jornal criticou acerbamente as multinacionais espanholas que tinham vindo para a América Latina. Dizia o colega espanhol que as multinacionais tinham se apossado da poupança das velhinhas e Madri para aplicar em “republiquetas corruptas” da América Latina.

Os jornalistas brasileiros presentes ao encontro reagiram imediatamente. Foi lembrado a ele que, se não tivesse adquirido a Telesp, provavelmente a Telefonica da Espanha teria sido absorvida por congêneres mais fortes, como a Deustche Telecom ou a British Telecom.

Rebati a acusação dizendo a ele que o Brasil tinha empresas mais bem organizadas que as espanholas, uma agricultura infinitamente superior, um potencial imensamente maior que a economia espanhola. A única vantagem da Espanha se devia ao fato de suas empresas terem ido antes ao mercado internacional antes das brasileiras e adquirido as nossas.

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Era evidente para qualquer analista minimamente informado que a saída para a América Latina se constituiria na salvação das empresas espanholas, em um momento de profunda concentração de capital na Europa. Mas a visão vigente era do momento imediato, do valor da empresa naquele instante.

Qualquer tentativa de visão prospectiva era entendida como obstáculo à eficiência dos mercados, já que – segundo esta visão – era a preocupação imediata com cada dia que construiria o caminho da prosperidade futura.


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São águas passadas. O importante é que a definição das próximas etapas do desenvolvimento brasileiro levem em conta os exercícios sobre o segundo período.

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