Economia

O teto de gastos e a proteção dos pobres

A PEC 241 é simplória e foge ao que vem sendo colocado em prática no mundo desenvolvido

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Assim como no texto anterior sobre a PEC 241, o objetivo não é confrontar os membros do Ministério Fazenda, mas partir de suas falas para abrir um debate transparente sobre tema fundamental.

Desta feita, parte-se do texto publicado por Marcos Mendes, economista do ministério, na Folha de S.Paulo do dia 25/09/2016, para tecer novas considerações acerca da PEC 241, que estabelece um limite de aumento dos gastos do governo federal vinculado à inflação.

O orçamento não poderá ter aumentos reais, devendo acompanhar o percentual inflacionário, que, felizmente, caiu após passados os efeitos das mudanças nos preços e no câmbio realizadas no início de 2015, como já se previa.

Por outro lado, com uma inflação baixa, se vigente a regra, os gastos também crescerão pouco.  

A linha central do texto de Mendes é sustentar que a economia só voltará a se desenvolver se a PEC 241 for aprovada e, até lá, os mais prejudicados são os mais pobres.

Parece que a economia agora só funciona se os agentes do chamado “mercado”, de grande maioria rentista, que nada produz, acreditar que o Estado não vai elevar sua despesa primária.  

De outro lado, os gastos astronômicos com juros, de longe os maiores do governo federal, como são despesas não primárias, estão fora da regra, sendo curiosamente utilizados como mote para justificar a PEC 241. Apenas seria possível reduzir os juros após conter a despesa primária, segundo Mendes indica.

Vale a pena ver texto publicado aqui mesmo na CartaCapital que explica por que os juros custam a cair no Brasil e por que, quando caem, é provável que o governante caia junto. Ele explica um pouco porque o Ministério da Fazenda inverte a ordem de importância das coisas, colocando os juros como a última despesa a ser reduzida.

É preciso conter a despesa primária, porém não há porque fixar um limite constitucional com prazo de cinco mandatos (20 anos) e, ainda por cima, vinculá-lo à inflação. Em vez de assustar a população com ameaças de caos fiscal, a Fazenda devia apresentar quais países foram bem sucedidos usando esse tipo de limite no mundo.

Segundo Mendes, umas das causas principais da proposta é o crescimento médio dos gastos em 6,2% acima da inflação de 1997 a 2015. O problema maior não é o tamanho do gasto, mas a qualidade.

Apesar de todos os problemas, o Brasil deu um bom salto socioeconômico no tal período de 1997 a 2015 e, ainda que esteja apenas no começo, avançou muito em termos de infraestrutura, serviços públicos e inclusão social.

O PIB do Brasil era 955,5 bilhões de reais em 1997 e passou a 5,904 trilhões de reais em 2015 – aumento médio de 2,6% ao ano. Parece, então, que, apesar de o gasto não ter acompanhado a inflação, considerando que o PIB cresceu, uma parte se justifica, e vice-versa, pois é mais fácil aquecer a economia, obtendo bons resultados produtivos, quando se investe em infraestrutura, se aumenta a qualidade dos serviços públicos e se reduz a desigualdade.

Pode-se questionar, então: “mas a despesa primária, de qualquer forma, ainda que se considere inflação mais aumentos no PIB, cresceu em percentual maior”. Cresceu onde? O que não pode cair são gastos que reduzem a desigualdade e, portanto, tendem a aumentar a produtividade. Dezenas de bilhões serão gastos com aumentos de altos salários de servidores dados pelo atual governo.

A desigualdade ainda é enorme, especialmente porque os de cima são bem remunerados com juros – até Mendes concorda – e pagam pouquíssimos tributos em relação a sua riqueza e sua renda, mas houve bons ganhos da base para o meio da pirâmide social, que ajudaram no crescimento obtido de 2004 a 2013.

Não se está a dizer que não é preciso cortar gastos. É preciso lembrar que cada um real despendido é, em regra, retirado da sociedade em tributos, causando-lhe prejuízos.

Então, o peso morto da tributação pensado em sentido amplo, aquilo que se desperdiça entre o que é arrecadado e o que é efetivamente bem gasto, deve ser o mínimo possível, retirando cada vez menos e conseguindo fazer mais.

Pela regra da PEC, se PIB e receitas crescerem, o Estado encolhe, pois precisa ficar atrelado à inflação, que o Brasil curiosamente costuma controlar como se fosse a variável máxima da economia.   

Ainda que se possa reestruturar as instituições e melhorar as políticas; reduzir a corrupção e melhorar a administração pública; não é possível saber se os gastos atuais são suficientes para o caminho que falta ao Brasil percorrer.

Quem disser que é possível está mentindo. Ninguém sabe esse número em relação a cada tipo de gasto, até porque isso dependerá da estratégia traçada pelo administrador. Será preciso gastar muito mais com inovação, por exemplo, e, para inovar mais, é preciso antes educar bem.

A austeridade deve acontecer por meio de boas políticas e administração. Para economizar no futuro, o melhor passo é o governo do presente dar o exemplo, porém o que se viu foi a projeção de um déficit que era de 97 bilhões passar a 170,5 bilhões, sendo que 172 bilhões já foram gastos até agosto, restando ainda quatro meses até o final do ano. No ritmo da austeridade do governo atual, o déficit passará de 200 bilhões.  

Talvez o texto de Mendes esteja certo sobre ser insustentável continuar com aumentos reais de 6% nos gastos. Mas, como isso leva a ter que indexá-los à inflação? E se o aumento real for de 2%, para custear investimentos importantes, lastreados em aumento de receitas obtido por uma tributação mais progressiva, que a faça crescer apenas para menos de 5% da população brasileira, sem aumento do percentual de carga tributária?

Essa opção nem é cogitada. Por sinal, como já dito aqui, o número da carga tributária, por si só, é muito pouco útil e bastante falacioso.

Por fim, a afirmação de que a PEC atuará na “causa fundamental do problema fiscal” também é questionável. Quem a elegeu como fundamental? Estudos do economista Sérgio Gobetti demonstram que o problema não é o gasto isoladamente, mas também as receitas e, sobretudo, o ritmo de crescimento da economia.

FHC sofreu menos do que agora, pois aumentou a carga tributária, e isso continuou até o governo Lula, que passou aliviado por conta do enorme crescimento econômico obtido a partir de 2004 no ciclo mundial das commodities e com a mitigação da pobreza (democratização do consumo) no Brasil.

O problema do déficit atual é que o País entrou na maior recessão da sua história devido à maior crise econômica já vista no mundo. Fala-se até em estagnação secular, se não houver reformas estruturais. Além disso, e não menos importante, vive-se a maior crise política da história brasileira, que atrai dinheiro hoje quase somente para ganhar com os maiores juros reais do mundo, e não para produzir.

O mesmo estudo de Gobetti indica que o número de Mendes (6,2% de aumento real médio da despesa) pode ser questionado, pois parte das estatísticas oficiais, que estão distorcidas pela contabilidade criativa e pelas pedaladas fiscais, e nas quais parte das desonerações tributárias são tratadas como gasto em vez de perda de receita.

Por outra metodologia, Gobetti chega a um aumento médio das despesas de 4,2% ao ano nos últimos 18 anos e propõe que, se estabelecido um limite, seja com base na taxa média de longo prazo de crescimento do PIB, como fazem os países da União Europeia.

Dessa forma, garante-se que o gasto tenha um comportamento anticíclico, ou seja: em recessão ou taxa baixa de crescimento, a despesa aumenta mais do que o PIB; em momento de grande crescimento, ela cresce menos, seguindo a taxa média de longo prazo.

O modelo europeu é muito melhor do que o da PEC 241. Continuo insistindo, porém, que, antes do teto de gastos, haja uma reformulação da política fiscal de forma inclusiva: reforma tributária e redução dos juros.

Apenas com um cenário ajustado ao que se entende hoje como avançado no mundo em termos fiscais será possível avaliar a situação brasileira. A PEC 241 é simplória e trará mais custos do que benefícios. 

*Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology

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