Plano Real, 30 anos: Ricupero relembra a pressão interna e os desafios para superar a herança maldita da ditadura

Da substituição de FHC à relação com o 'paradoxal' Itamar, o ex-ministro revive os momentos decisivos do projeto; assista

O ex-ministro Rubens Ricupero em entrevista a CartaCapital, em junho de 2024.

Apoie Siga-nos no

Faltavam três meses para o lançamento do Plano Real quando Rubens Ricupero assumiu o Ministério da Fazenda no governo de Itamar Franco. Era 30 de março de 1994 e o então chefe da pasta, Fernando Henrique Cardoso, deixava o cargo para se lançar à Presidência. Foram 90 dias de pressões internas e externas, desconfiança e o fantasma de planos fracassados. Daquela vez, porém, o resultado seria diferente.

“Foi uma mudança maravilhosa, e é preciso sempre realçar: democraticamente. O Plano Real é o único desses planos que não tem nenhum processo na Justiça”, enfatiza o diplomata, em entrevista a CartaCapital. O lançamento ocorreu menos de dez anos depois do fim da ditadura – que, além de violar sistematicamente os direitos humanos, deixou uma herança maldita na economia, ilustrada pela hiperinflação e pela crise da dívida externa.

Itamar, de breves dois anos no Palácio do Planalto, é um personagem paradoxal na história do Plano Real, segundo Ricupero: foi a figura mais importante para o sucesso da empreitada sem, contudo, abdicar de tentar transformá-la com “sugestões” que não poderiam ser atendidas.

Sem ele não teria havido real. Agora, ele tinha inclinações populistas. Isso é comum, não digo isso para criticar o Itamar. É normal, quem é presidente quer atender as demandas”, relembra Rubens Ricupero. “O meu papel era muito ingrato, porque tinha de dizer a ele: ‘ora, presidente, eu sei que o senhor tem razão, essas categorias precisam de aumento, mas vai ter de esperar. No momento não dá.”

Reajustes para policiais federais e militares das Forças Armadas, aumento do salário mínimo e congelamento de preços estavam entre as preocupações levadas por Itamar a Ricupero entre 30 de março e 1º de julho, dia de lançamento oficial do plano.

“O que sempre me salvou é que eu dizia: ‘o senhor se lembra do me disse quando quis que eu fosse ministro’? Disse: ‘só quero uma coisa: que o senhor aplique o plano com essa equipe que esta aí’. E eu falava: ‘se eu fizer o que o senhor está pedindo agora, o plano vai acabar, porque não vai ter mais condições, e os membros da equipe vão todos embora, porque eles não precisam disso’.”


Mérito mais evidente do Plano Real, a hiperinflação deixou de ser um problema no Brasil – em 1993, o País registrou uma inflação de aproximadamente 2.000%. Quem viveu não se esquece das constantes remarcações de produtos nos supermercados – em alguns casos, mais de uma vez ao dia.

“Não resolvemos tudo. Ainda falta crescer, falta resolver o problema do Orçamento, falta ter investimento. Mas esse é um bom problema, ter de ter investimento, ter de crescer. Não resolvemos, mas vamos resolver.”

Na entrevista, Ricupero reflete também sobre desafios concretos de nosso tempo, a exemplo da necessidade de enfrentar o avanço da extrema-direita no cenário global.

O ex-ministro recupera alertas da Organização das Nações Unidas na década de 1990 contra os perigos de uma “globalização desequilibrada” – por exemplo, por meio da excessiva concentração de riqueza.

“Cada vez temos situações mais intoleráveis. Pessoas perderem empregos, tiveram de se contentar com uma situação cada vez mais precária. Isso tudo criou uma gigantesca massa de descontentes, e essas pessoas é que hoje engrossam o voto da extrema-direita“, resume. “O combate à extrema-direita tem de ser feito em dois planos. No plano político, não deixar que eles passem. E temos de agir para que mude o sistema econômico, porque se continuar assim, não vai ter solução.”

Assista:

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

0 comentário

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.