Economia

Regular desaforos e priorizar quem necessita de apoio

Unir agricultura familiar ao agronegócio não é contrapositivo, mas ampliação dos focos de atuação e reconhecimento dos papéis políticos, econômicos e sociais

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Está para terminar 2014, Ano Internacional da Agricultura Familiar, Camponesa e Indígena.

Diferenciada pelos benefícios que o Estado deve conceder-lhe e ninguém chiar, mas sim incentivar, juntá-la ao agronegócio não é ação contrapositiva, mas amplitude de focos de atuação e reconhecimento dos papéis político, econômico e social que representa.

Desfazer os caminhos escolhidos pela agropecuária brasileira nos anos 1960/70, moldados em grandes extensões de terra, expansão da fronteira, foco em commodities exportáveis, tecnologia para ganhos de produtividade e competitividade, ainda que fosse bom, seria impossível.

Mas o feito está feito. Cabe à sociedade e ao Estado regularem os desaforos e priorizarem quem necessita de apoio. Aprofundar a inserção social nas zonas rurais e relaxar e gozar no que, reconhecidamente, comanda a economia mundial.

Propalado como futuro celeiro do mundo, o Brasil agro tem causado preocupação no planeta. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, acaba de colocar dúvidas sobre nossa capacidade de expandir a produção em taxas aceleradas, como nos últimos dez anos.

Para a OCDE, tecnologias aqui disponíveis, regulações ambientais, fatores externos restritivos de demanda e crescentes de concorrência, nos colocam perto do teto de produtividade para a proeminência anunciada.

Muitos não percebem a óbvia imbricação de agronegócio e agricultura familiar. Mais um inferno opinativo; outro Fla-Flu para incomodar nossa racionalidade.

As grandes propriedades agropecuárias contam com recursos financeiros, tecnológicos e de gestão capazes de igualar os índices de produtividade dos principais países produtores e exportadores do planeta. Carregam nas costas tais conquistas e delas se fazem valer.

Carecem apenas de investimentos em infraestrutura para aumentar a competitividade após a porteira da fazenda. Cabe aos setores público e privado compartilhá-los. O que esperam?

Daí ser mínima a bola que dou ao nome escolhido para a Agricultura. Basta que Dona Kátia não repita promessas de reformas na estrutura do ministério que nunca passaram da mudança de andares entre os gabinetes das chefias.

Insisto: o problema de campesinos, caboclos, colonos, sertanejos, tem que ser, e está sendo, tratado no Ministério do Desenvolvimento Agrário, desde 2003 comandado pelo Partido dos Trabalhadores. Nele, inclusive, deveriam estar INCRA e FUNAI.

É através de seus recursos e programas que se ampliará a agricultura familiar, como também, prestem atenção (!), crescimento de produção e produtividade para o tal Brasil “celeiro mundial”.

Segundo o Censo Agropecuário 2006, do IBGE, 5% das terras cultivadas têm área menor de 20 hectares e pertencem a dois terços dos produtores brasileiros; 44% delas, com áreas acima de 1.000 hectares, são posses de 1% deles.

Aí nossa limitação futura. Os grandões, campeões nacionais, marca recebida do BNDES, têm níveis de produtividade iguais ou superiores aos dos norte-americanos.

Mas o Brasil é mais do que eles. Há regiões e setores de baixa produtividade que fazem nossa média ir pra cucuia.

Sul, Sudeste e Centro-Oeste têm produtividade de grãos 65% maior do que Norte e Nordeste.

E onde estão 60% das propriedades pequenas consideradas legalmente como de agricultura familiar? Acertaram.

Para o Brasil ser o tal celeiro precisa desenvolvimento agrário. Aproximar os níveis de produtividade através de financiamento, apoio técnico, mercado garantido e, principalmente, direcionando as pequenas propriedades para produções de maior valor agregado, adequadas às áreas menores.

Em uma de minhas Andanças Capitais mencionei a criação de caprinos e ovinos no semiárido nordestino. Reportagem da jornalista Tatiana Freitas, publicada na Folha de São Paulo, em 25/12/2014, na cidade de Tauá (CE) descreve o Projeto Rota do Cordeiro, da Embrapa.

Em áreas de 20 a 50 hectares, mais de 240 produtores criam animais de excelente qualidade na caatinga. Perseguem selo com denominação de origem para ganhar valor agregado até chegarem às nossas mesas.

Cinquenta anos atrás, 11 de dezembro de 1964, militantes de esquerda, ainda zonzos com a traulitada do golpe civil-militar, viram um fio de esperança sair da sede carioca do Teatro de Arena.

Estreava o show “Opinião”, musical de protesto político-social, escrito por Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes, dirigido por Augusto Boal. No elenco, Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão (mais tarde, substituída por Maria Bethânia).

“Carcará” permanece canção emblemática até hoje como marca das injustiças cometidas pelo acordo secular de elites que rege esta Federação de Corporações.

Antes de cantá-la, Nara recita um trecho da Missa Agrária: “Glória a Deus Senhor nas Alturas/E viva eu de amarguras/Nas terras de meu senhor”. O coro segue entoando o refrão e Nara informa:

“Até 1950, havia dois milhões de nordestinos vivendo fora de seus estados natais, 10% da população do Ceará emigrou, 13% do Piauí, mais de 15% da Bahia, 17% de Alagoas”.

“Carcará, pega, mata e come/Não vai morrer de fome!”

Aplausos intensos da plateia.

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