Economia

O Brasil precisa apostar na indústria

É preciso criar um ambiente favorável para o setor industrial competir com os produtos importados e voltar a crescer

Fábrica de caminhões na região do Médio Paraíba, onde ficam cidades como Resende, Porto Real e Itatiaia, no Rio de Janeiro
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Em um momento de intenso debate a respeito dos desafios e alternativas que se apresentam para a economia brasileira, a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) acaba de lançar o Manifesto Cresce Brasil 2014 – Novos desafios (confira a íntegra ao lado). O objetivo da iniciativa é contribuir para o debate dos grandes temas nacionais, especialmente focados na questão da infraestrutura e da indústria para o desenvolvimento, a partir de contribuições de colaboradores que apresentaram suas propostas para debate e validação no âmbito da entidade. Coube-me discutir a questão do crescimento econômico e o papel da industrialização.

A perda de dinamismo do crescimento econômico brasileiro reforça a necessidade premente do aumento dos investimentos e ampliação do valor agregado local. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi de apenas 2% ao ano, na média de 2011 a 2013, a metade do observado no período 2003-2010, cuja média anual foi de 4%. Em 2014, o crescimento dificilmente superará 1%.

Recuperar a capacidade de investir é um pré-requisito para um crescimento mais robusto e continuado. Os investimentos são cruciais para ampliar a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que leva em conta as inversões em construção civil, incluindo infraestrutura e máquinas e equipamentos, que respondem por 52% do total. Em 2013, apesar de ter apresentado um crescimento de 6,3% comparativamente a 2012, a FBCF está estacionada em cerca de 18% em proporção do PIB, nível considerado insuficiente para suportar o crescimento da atividade sem gerar pressões inflacionárias e aumento da vulnerabilidade externa. Em 2014 estamos tendo nova reversão, o que poderá fazer com que o nível absoluto retorne a 2012.

No que se refere ao setor industrial brasileiro, a longa estagnação é preocupante. O nível da produção industrial atual (dados de dezembro de 2013) é semelhante ao observado há mais de cinco anos, em setembro de 2008, antes dos efeitos da crise norte-americana. Desde então, ocorreu uma lenta recuperação em 2009 e 2010, porém logo seguida de estagnação, nos anos seguintes. Tomando-se um período um pouco mais longo, tendo como base a média de 2004, a produção física da indústria, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cresceu apenas 18% no acumulado. Em contrapartida, o consumo, medido pelas vendas reais do comércio ampliado (que inclui construção civil e automóveis), cresceu no mesmo período, 97%.

Isso significa que o salto no consumo, muitas vezes derivado de políticas de incentivo governamental, como desoneração tributária, redução de juros, ampliação do crédito, dentre outras, não foi aproveitado para a expansão industrial. Não que a indústria brasileira não dispusesse de capacidade produtiva. Pelo contrário. Ao longo do período citado, a ociosidade média industrial girou em torno de 20%, de acordo com os dados levantados pelo Nível de Utilização da Capacidade Industrial (NUCI) da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O problema, portanto, não é de capacidade produtiva, mas, de competitividade. Como as condições sistêmicas – aquelas que independem das empresas – são desfavoráveis comparativamente aos concorrentes internacionais, fator agravado com o longo processo de valorização do real, abre-se um enorme espaço para o crescimento das importações, que acabam ocupando o lugar da atividade doméstica.

Os dados da balança comercial brasileira denotam a ampliação do déficit do segmento de manufaturados, que atingiu 104,3 bilhões de dólares em 2013. Trata-se de uma crescente ampliação da dependência de importados e uma perda de capacidade de exportação. Basicamente, nossa geração de superávit comercial está cada vez mais restrita aos produtos básicos (o complexo agromineral) e aos semimanufaturados, como mostra o gráfico abaixo, com o saldo da balança comercial do Brasil, por setores (A diferença entre o total e o somatório dos básicos, semimanufaturados e manufaturados refere-se a Operações Especiais).

Gráfico balança comercial

Tomando-se o setor de bens de capital, de enorme importância para a geração de valor agregado, a participação dos importados no consumo brasileiro de máquinas e equipamentos cresceu de 52% em 2007, para 66% em 2013. A indústria brasileira de bens de capital mecânicos vem perdendo espaço para os fabricantes de outros países, em especial dos chineses, cuja participação mais que dobrou (de 8,2% para 16,6%) no mesmo período e que ocupa o segundo lugar no rol dos países de origem, somente sendo superados pelos Estados Unidos. Vale ainda destacar que computadas as importações por peso, a China atinge o primeiro lugar, denotando clara distorção de preços praticados. É algo que tem de ser objeto de práticas de defesa comercial, pois há fortes indicadores de práticas desleais de comércio. O déficit comercial setorial atingiu 20,1 bilhões de dólares, com crescimento de 18% em relação ao ano anterior, só sendo superado pelo resultado negativo observado nos setores de eletroeletrônicos e de químicos e fármacos.

O aumento da participação dos importados no setor de bens de capital mecânicos, no entanto, não decorre de falta de capacidade física de produção. O nível de ocupação médio do setor é da ordem de 75%, o que denota uma ociosidade de 25% nas fábricas. O problema é de competitividade. Dadas as condições sistêmicas de produção local, especialmente tributação, carência de financiamento, condições de logística e de infraestrutura, dentre outros fatores relevantes, os produtores locais não conseguem concorrer em igualdade de condições com os seus concorrentes de outros países. Além disso, a situação adversa também afeta a capacidade de exportação do setor. Em 2013 as vendas para o exterior do setor apresentaram uma queda de 7%. Embora a desvalorização do real tenha apresentado um melhora relativa da competitividade dos produtores brasileiros, o nível atual do câmbio ainda se encontra aquém do necessário para compensar os demais efeitos adversos citados anteriormente.

Uma das principais consequências do processo de desindustrialização em curso é a perda de dinamismo do emprego industrial. Em 2012, por exemplo, de cada 100 empregos criados no Brasil apenas 3 foram gerados na indústria. A participação do setor no estoque total de empregos caiu de 18,8% em 2007 para 17,2% em 2012.

Trata-se de uma das consequências da desindustrialização precoce em curso no País. Precoce porque, ao contrário do observado em países desenvolvidos, como Alemanha, a queda da participação da indústria de transformação no PIB e na geração de empregos decorre do aumento da produtividade, da evolução tecnológica e do incremento do setor de serviços. A participação da indústria de transformação no PIB brasileiro, que já foi superior a 30% há duas décadas, representa hoje 14%, contra 15% na Índia, 28% na Coréia do Sul e 34% na China.

A desindustrialização “made in Brazil” decorre não de um movimento virtuoso de transformação qualitativa da indústria para áreas mais sofisticadas, mas de um processo de desmobilização de elos da cadeia produtiva local, substituída por importações crescentes. É um mito que a indústria brasileira seja muito protegida. Excluídas as exceções de alguns poucos segmentos, a alíquota efetiva de importação é das mais baixas dos países do G-20. Tanto é que o déficit da balança comercial de produtos manufaturados praticamente triplicou nos últimos cinco anos, como já abordado.

Estabelecer e implementar uma estratégia para o desenvolvimento da indústria brasileira é crucial para garantir a sustentabilidade do crescimento econômico e das contas externas. É preciso criar um ambiente favorável à produção e geração de valor agregado local e isso não será atingido com medidas pontuais e com data marcada para terminar, como é o caso da maioria dos incentivos adotados.

*Antonio Corrêa de Lacerda, economista e consultor, é doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e professor-doutor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo)

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