Editorial

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A posse do líder

A fuga de Bolsonaro propicia o feliz encontro de Lula com o seu povo

Os representantes do povo brasileiro chegam para transmitir a faixa e ao chefe botocudo Raoni cabe um papel importante - Imagem: Mônica Zarattini e Sergio Lima/AFP
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Lula concluiu a epopeia do menino nordestino que veio a São Paulo na boleia de um caminhão para ascender ao longo dos anos ao comando da Nação. Pronunciados foram dois discursos, um no Congresso, outro no parlatório do Palácio do Planalto, para a multidão aglomerada na Praça dos Três Poderes. Foram falas extremamente substanciosas, traçadas para definir a pauta do governo destinado a enfrentar os problemas brasileiros, a fim de resolvê-los no menor espaço de tempo possível.

A tônica confere aos problemas sociais uma primazia às condições do povo brasileiro, atingido pela miséria e pela fome, ou seja, por um desequilíbrio monstruoso na distribuição de renda. Neste momento, o presidente se comove e, como já se deu em muitas outras ocasiões, as lágrimas fortalecem o pronunciamento. Em busca do equilíbrio, o presidente anuncia uma série de providências determinantes nos campos da Educação e da Saúde: é o encaminhamento de um programa de bem-estar social de largo alcance.

Uma aliança decisiva – Imagem: Sergio Lima/AFP

CartaCapital apoia in totum os propósitos presidenciais, que correspondem exatamente às nossas esperanças, entre elas o cancelamento integral de toda e qualquer herança bolsonarista. Trata-se até de recuperar as chaves dos gabinetes do terceiro andar o Palácio do Planalto, que o energúmeno demente carregou ao sair de cena. De todo modo, a ação purificadora exige a punição dos famigerados integrantes da chamada República de Curitiba, Sergio Moro e Deltan Dallagnol, condutores da Lava Jato, ponto inicial de muitas vicissitudes políticas e sociais que se seguiram.

O governo de total respeito, montado na fase de transição, conta com conselheiros inspiradores de grande qualidade. No gabinete brilha a estrela de vários velhos amigos de CartaCapital. De Celso Amorim, escalado como conselheiro especial na definição da política externa, a Flávio Dino no Ministério da Justiça, passando por Jaques Wagner na liderança do Senado, Wellington Dias, convocado para cuidar do Bolsa Família a partir do Ministério do Desenvolvimento Social, Luiz Marinho no Ministério do Trabalho, Marina Silva no Meio Ambiente, Rui Costa na Casa Civil, Alexandre Padilha nas Relações Institucionais e Camilo Santana conduzindo o Ministério da Educação.

Passeio no vetusto Rolls-Royce presidencial entre os aplausos da multidão – Imagem: Evaristo Sá/AFP

Ao atual prefeito de Araraquara, ­Edinho Silva, certamente caberá alguma função estratégica. Permito-me esperar que ­Marco Aurélio Santana ­Ribeiro, o ­Marcola, outro amigo muito querido, siga para o Planalto para, entre outras funções, cuidar da agenda de Lula. Tive a oportunidade­ de privar com ele, em Curitiba, quando da prisão do chefe na sede da Polícia Federal, e constatei seu caráter e senso de responsabilidade invulgares.

Lula também se refere ao golpe sofrido por Dilma Rousseff e a afirmação encerra a ameaça de dias difíceis para o usurpador Michel Temer, que prendeu a presidente no Palácio da Alvorada, onde CartaCapital a entrevistou naquele momento conturbado, para colher um depoimento digno e valente em meio à tormenta. Não é arriscado, de todo modo, prever turbulências a curto prazo, a partir do anúncio da revogação de privatizações e impedir novas.

A tragédia do desiquilíbrio social move a comoção de Lula – Imagem: Evaristo Sá/AFP

As reações dos opositores chegam até à compra de emissoras de rádio e televisão para produzir programas virulentos contra o novo presidente. Como sempre, aplaudimos, aqui do nosso canto, a pauta do novo governo, sem deixar de perceber os embates que a determinação presidencial inevitavelmente vai provocar. Cremos que Lula saiba dos riscos a correr, mas as dificuldades são evidentes, suscetíveis de produzir turbulências a curto prazo. Impressiona a participação popular à posse do presidente pela terceira vez, a conferir a Lula uma dimensão de líder e estadista de um Brasil esperançoso, embora CartaCapital percebe a dúvida que a esperança contém. Nem mais nem menos que a multidão aglomerada diante do Palácio do Planalto, confiamos no empenho do líder.

Mundo afora, a imprensa e a opinião pública anotam o significado dos eventos brasileiros. Sinais inequívocos de uma situação que aponta no País uma liderança transparente da América Latina. A fuga de Bolsonaro para os Estados Unidos ofereceu a Lula a oportunidade de conduzir as cerimônias da posse a um script inesperado e mesmo assim comovente. E na encenação cabe a relevância do papel reservado à delegação popular chamada a cumprir a cerimônia da passagem da faixa presidencial. Marcante a subida da rampa com Lula de braço dado com o cacique ­Raoni, devidamente paramentado pelo seu traje oficial, cocar e tudo o mais. Nada a merecer surpresa, de braço dado enfrentaram a rampa o chefe da nação indígena e o chefe de todos os brasileiros. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1241 DE CARTACAPITAL, EM 11 DE JANEIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A posse do líder”

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