Bolsonaro altera regras de nomeação de reitores e MPF contesta

Segundo o Ministério Público, a Medida Provisória 914 fere os princípios da gestão democrática de universidades e institutos federais

Jair Bolsonaro (Fotos: Marcos Corrêa / PR)

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A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e o Grupo de Trabalho Educação em Direitos Humanos, do Ministério Público Federal, encaminharam nota técnica ao Congresso Nacional, na segunda-feira 2, uma nota técnica criticando a Medida Provisória 914, encaminhada pelo governo federal, e que dispõe sobre a escolha dos dirigentes das universidades federais, dos institutos federais e do Colégio Pedro II. A MP ainda precisa ser votada pelo Congresso para se tornar efetiva.

A tradição que se mantinha para a nomeação de reitores, desde o governo Lula, era de que o presidente sancionasse a indicação do primeiro colocado na lista tríplice para um mandato de quatro anos. O documento era elaborado pelo colegiado das instituições, compostos por professores, funcionários e estudantes da instituição. Com a MP fica definido que o presidente possa escolher qualquer um dos três nomes, não necessariamente o mais votado pela comunidade acadêmica, o que pode alçar ao cargo um candidato que não tenha amplo apoio e reconhecimento da comunidade acadêmica.

Outra alteração vinda com a Medida Provisória é que cada votante do colegiado pode votar em apenas um nome. Tradicionalmente, era permitido a cada votante a escolha de três nomes, de modo a haver três mais votados que sejam representativos da comunidade científica.

A maioria das universidades não colocam pesos diferentes entre os integrantes da comunidade acadêmica na hora da votação. A MP determina que o voto do corpo docente tem peso de 70%, alunos e servidores técnico-administrativo passaram a ter voto de 15%.

No entendimento da PFDC, a medida tem impacto sobre o princípio da gestão democrática da educação, assegurado pela Constituição Federal, e demandaria um debate que é incompatível com a urgência de tramitação de uma medida provisória.


“Desde 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, órgãos colegiados com participação da sociedade vão constituir o princípio da gestão democrática, e, na educação superior, eles também serão responsáveis pela escolha dos dirigentes. Isso tudo acaba com a MP 914, uma vez que a organização da lista tríplice – agora obrigatória para todos esses cargos – passa a ser de responsabilidade de um colégio eleitoral instituído especificamente para esse fim”.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão reforça que a reformulação das instituições escolares está entre os pilares estabelecidos pela Constituição de 1988 como mecanismo para enfrentar a desigualdade e a discriminação no Brasil. Ainda expõe a importância da relação dialógica entre escolas e sociedade, que não deve se restringir a conteúdos, mas também ser aplicada na gestão do ensino público, “que deve ser democrática, conforme previsto no artigo 206, VI, da Constituição”, atesta a Procuradoria.

No documento, a PFDC destaca a gestão democrática como um dos elementos indissociáveis do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, que em sua Meta 19 traz exatamente o propósito de assegurar condições para a efetivação da gestão democrática do ensino. “O mecanismo que vai concretizar a gestão democrática são os conselhos de participação social. No caso do ensino superior, esses conselhos vão também ser responsáveis por organizar a eleição de seus dirigentes”, atesta.

“Alterações pontuais num plano demandam visão holística, que dê conta dos impactos a serem porventura suportados pelos seus demais elementos, todos entrelaçados entre si. É importante também ressaltar que o Plano dirige-se a uma realidade que o excede, e as interferências ali operadas também precisam ser convenientemente avaliadas. E tudo isso é obviamente incompatível com a urgência de uma medida provisória, que deve se encerrar no máximo em 120 dias – tempo inibidor de um debate sério, que convoque os mais diversos atores para apresentarem suas perspectivas, suas convicções e seus temores sobre os impactos da ausência do componente que concretiza a gestão democrática na eleição dos dirigentes universitários, dos institutos federais e do Colégio Pedro II”, reforça a Procuradoria.

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