Meu caso de amor com Eça de Queiroz

Grandes escritores nos levam a grandes descobertas: 
ao estudar diálogos tão bons 
como os de Os Maias, percebi que era escritora

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Tenho uma lista de grandes escritores que me marcaram. Todos eles foram muito importantes na minha formação. Mas aquele que me fez vencer a barreira da língua e mergulhar em textos cheios de palavras e estruturas frasais que desconhecia foi o português Eça de Queiroz (1845-1900), o qual me foi apresentado por minha mãe quando eu tinha 16 anos.

Li Eça de Queiroz ao longo de quase toda a minha vida adulta. Teve um tempo em que lia Os Maias todo ano. Posso dar vários motivos pelos quais os textos do Eça me conquistaram: a ironia, o senso crítico (demolidor), a vivacidade. Até hoje, nunca vi diálogos tão bem construídos. E foi justamente um diálogo de Os Maias que mudou minha vida (sem nenhum exagero).

Eu devia ter uns 18 anos quando estava lendo um trecho no qual ele descreve um jantar. Não era um jantar comum. Seis homens estavam à mesa e falavam quase que ao mesmo tempo.

Naquela época, eu já queria ser escritora. Já tinha tentado construir diálogos e percebido como era difícil fazer com que a conversa entre duas pessoas soasse natural. Imagine, então, entre seis pessoas!

Daí, retornei ao trecho de Os Maias  –  tentando perceber como o Eça conseguia fazer aquilo. Precisei de um tempo para notar que ele alternava com muita propriedade o discurso direto com o indireto. Foi a primeira vez que as aulas de Português fizeram sentido para mim. Tinha estudado essa matéria na escola, mas sem dar a menor atenção a ela.

Eça de Queiroz foi o primeiro escritor que atiçou minha curiosidade a respeito da técnica literária. Foi o primeiro que me fez pensar: como é que se faz isso? Mais tarde, me fiz essa pergunta muitas e muitas vezes. E foi quando compreendi por que alguns escritores são considerados “grandes”.


Grandes escritores sempre nos levam a grandes descobertas. Pode ser aquele que botou em palavras uma coisa que a gente sentia, mas não conseguia expressar. Ou aquele que nos levou a perceber o mundo de um jeito inteiramente novo.

Eça de Queiroz é considerado um escritor menor pela crítica. Mas, para mim, ele é enorme. Foi procurando saber como se construíam diálogos tão bons que percebi que eu era escritora.

*Publicado originalmente em Carta Fundamental

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